terça-feira, 4 de novembro de 2014

Hiato de proteção cotidiana




A miséria tem sempre
um suspirar profundo
um olhar idêntico
a todos deste mundo

a miséria sofre em silêncio
feito as heras nos muros
cheira a flor murcha
esquecida da realidade

a miséria veste trapos
das mãos da compaixão
e seus inúmeros tormentos

a miséria não escreve
nem lê por linhas tortas
ela veste máscaras desde
que o mundo é mundo

a miséria arranha
a superfície rasa dos sonhos
e abre as feridas
das perplexidades da vida

a miséria vive das sobras
entre sombras existenciais
onde o fedor habita
as latrinas que se erguem
entre as diferenças pessoais

a miséria sela destinos
de meninas e meninos
que caminham entre flores pisoteadas
dos que creem em inócuas dores

a miséria permanecerá
procurando razão entre os vivos
para não contar aos mortos
sobre a fome e seus gritos



 



Adriane Lima







Arte by Suair  Shuai 

Entre mosaicos do tempo

 


Eu sempre tive mania
de contar tudo que via :
contar os tijolos dos muros
contar os azulejos da cozinha
contar as pedras entre as
pretas e brancas do caminho
contar meus lápis e canetas
contar as pétalas de uma flor
contar puxadores das gavetas
contar as estrelas do céu
contar os livros de uma estante
contar, contar e recontar
quando me sentia em
um momento entediante
era como se esse gesto
me organizasse por dentro
regulação do tempo e exatidão
e hoje o que me causa mais espanto
é só conseguir contar
fragmentos de palavras
soltas em meus poemas
é a forma de me organizar
e contar a todos os meus silêncios
quando me pego entre dilemas








Adriane Lima







Arte by  Alison Blickle

Ode as asas




Não foi do dia para noite
que passei amar borboletas
foi ao me ver mudada
presa em um casulo
e do dia para noite
me nascerem asas
desejei não a lápide
e sim um futuro

 




Adriane Lima







Arte by Dominique Fartin

Céu de poeta




Meu riso naquele dia
era pura estripulia
sensibilidade de menina
ecoando em cada livro
doados pelas mãos da poesia
Meu espanto escondido
entre tantas tristezas sem sentido
escoando pelas vielas do morro
Meu caminhar puro desconcerto
habitando em cada casa do lugar
Hoje já não cantaria
-"o morro não tem vez"
quem ali sobe e vê o Redentor
de braços abertos
ao humano calor de sua gente
sente em cada menino
como um sonho de escritor
que quer cuidar do mundo ao redor
guardar a dor que lhe dói
enquanto olha o céu azul
longe dos olhos de
sua própria imagem de chão
exaltada nos muros coloridos
que retratam a alegria
deste mundo de sonhos
de homens, meninos e de poetas
que sempre continuarão acontecendo ...






Adriane Lima







*Morro Santa Marta / outubro 2014 *
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