terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Prosa para pessoas sensíveis VI



Até entendo sua bipolaridade
perdoo sua insensibilidade
suas vagas mentiras e falta de coragem.
tento não ouvir suas palavras trocadas
ao perceber minhas fragilidades.


Te culpo por nunca ter 
se desculpado de verdade
te culpo por me fazer conhecer
de perto a solidão e a ansiedade.

-não -não


Não há culpa, nem perdão,
aceito inteiramente em mim
essa paz que hoje me habita
ao lembrar de você sem sentir dor...





Adriane Lima





Arte by May Lively 

Silêncio furta cor



O absoluto do nada
átimo guardado
entre corpo e alma

sentença de morte
entre leveza e culpa
vaziez da mentira e a
estupidez da trapaça

a dor por viver
céu e inferno
nesse espaço
de tempo sórdido

o perdão derramado
de bar em bar
em madrugadas frias

o vapor albergado
entre próximas
vazantes de histórias

amor
labirinto de escolhas

e inexatas formas





Adriane Lima


Arte by Juan Martinez



domingo, 29 de janeiro de 2017

Em busca de um sol nascente




Embalada por uma
rede de sonhos
flutuava minha
criança interior

Era preciso colo,
acalanto, olhos fechados
ao espanto

De saber-se mundo
com pressa e
dores inevitáveis

Coração frágil
de menina
sem entender certezas
sem perder esperanças

Ouvidos voltados
para o canto
de passarinhos
para as cores suaves
de Monet

Crepúsculo em
ponta de dedos
embasando segredos
serenidade traduzida
em palavras
adormecidas na alma

Menina que entendeu o tempo
fez chover até aparecer
o arco íris e o sol
da irreverência em seu peito





Adriane Lima





Arte by Marina Dieul

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A flor que a chuva levou



Adentro em sopros
a boca da tarde
sem culpas
piso descalça
a flor do poema

Matinal é a dor
da beleza
que mora no silêncio
da chuva que antecipa
o voo do passarinho

Seco as gotas
da vidraça
num infinito
desassossego

O cinza do dia é apelo
para a solidão escarlate
que inunda meus poros

Sei que estou viva
só preciso viver
o avesso de minha essência







Adriane Lima





Arte by Jindra Noewi


sábado, 21 de janeiro de 2017

As dores sabem gritar



Deitei em sua ternura
e um mar se revelou para mim
sopros suaves, gestos silenciosos

atravessamos momentos
de melancolia
sujamos as mãos
em terras estrangeiras

náufragos
cada um se salvou
ao agarrar o solo firme

senti natural se perder
sem precisar explicar
ou sofrer

Deitei em sua ternura
e fomos pulverizados
por mentiras torpes

bastava continuar
se movendo
em direções opostas

e foi o que fiz

cravei os dentes
na borda do copo
ao beber gim
li alguns manuais de
boas maneiras

gritei seu nome
até esquecer a pronúncia
sob uma chuva gelada
numa rua escura

estou de volta
dentro de minha ternura
começando outro caminho
como sobrevivente







Adriane Lima












Arte by Teri Shuster











quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Na crisálida de palavras



Entre meus dias monossilábicos
aparece você
dona de meus acordes
e risos dissonantes

ali um silêncio de nuvem
compõe a paisagem
quando olho para o relógio
e sei que o tempo
é curto para nossos assuntos
a seifar urgências
no calendário dos sonhos

sou toda palavra
a folhear histórias
que estavam guardadas em mim
em você e em todas as ruas do bairro

somos enfim barulho de trem manso
saindo da plataforma
e seguindo os percursos e percalços
da vida que grita por nós









Adriane Lima










Arte by Christian Chapman

Vertigens do tempo



Sinto na alma
a falta de sua carne
a mesma que adentrou a asa
mordeu o poema

e cuspiu letras
sob meu corpo queimado de sol

adestro cada silêncio
murmuro algumas canções
antes de dormir
e sonho

com seus olhos miúdos
pela dor e cansaço
dos dias escuros





Adriane Lima





Arte by Peter Seminck

Poema existencial



E eu ali inerte
a olhar a parede que descasca
o mato de cresce absurdamente
as telhas que mofam com as chuvas
o armário cheio de roupas que não servem

e eu ali inerte
a olhar as teias de aranha pelos cantos
as cartas de amor amareladas
as fotos até então guardadas

e eu ali inerte
a olhar as rachaduras sob a escada
a champanhe que aguarda o melhor momento
o espelho que compõe tantos silêncios

e eu ali inerte
tomada por pensamentos inéditos
e desejos de ver o mar






















Adriane Lima










Arte by Barney Corteau




O pendular de átomos



A tempestade
me traz uma lágrima
depois outra e
uma infinidade delas

a dor de sentir dor
e não poder gritar
remoer âmago
atiçar os poros
e se abraçar

ali, em plena
solidão de dor

dor de ser sentida
mais que minha
essa que caminha
pelas pálpebras
desce a coluna
e meu lado humano
se esvazia

dor de muitas almas
em um só corpo
dor indissolúvel
que afere à morte

dor
de ser sozinha
nesse braço de mundo










Adriane Lima










Arte by Christian Shloe
















Um lugar para se chegar



A madrugada
não mais me afaga
não me veste
com suas cores de breu
e brilho de estrelas

a madrugada
não é fria nem quente
pura mornidão
onde a ausência
tange meu corpo

a madrugada
me faz aclamar
por um lugar de chegada
uma réstia de luz
uma voz acordada

só assim sinto
que estou viva




Adriane Lima






Arte by Tomasz Alen Kopera

Beber os silêncios



Os silêncios de pedra
soterram aqueles que amo
acabe-me na fragilidade de vidro
a intempérie desmedida
em cacos
rumino tudo, lentamente






Adriane Lima





Arte by Ivana Besevic

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Palavras engaioladas



Havia derramado o silêncio
entre letras que pensei calar
escolhido o peito como aliado
feito produto manufaturado
que se pode modelar

em comum acordo com a mente
fui apenas displicente em nele confiar

ninguém cala o que sente
se as palavras não falam
os olhos não mentem

e nisso nunca fui boa
ao me disfarçar
mesmo com a vida agitada
entre insones madrugadas

novas palavras nuas
alvas e límpidas
preciso fazer voar




Adriane Lima






Arte by Ana Hadin Maulle

O claustro da alma



Nasci em suavidades
cresci sendo sol
pelas verdades do caminho

vestida de mar
como as marés
me alternava
entre altos e baixos

no corpo vontades
na alma intensidades
onde nos pés pesavam
a liberdade

lúcida em minhas loucuras
romântica em meus amores
inquieta em meus sonhos
exagerada em minhas dores

fui silêncio na maioria dos dias
havia sido a vidraça preferida
dos olhos que me cercavam













Adriane Lima













Arte by Ivana Besevic

Prosa para pessoas sensíveis VII





Verdade para essa gente, que acredita que a poesia
já nasceu para ser contemporânea,
sem artigos indefinidos, sem aquela lindeza de parnasianismo, 

achando que o bom é não rimar para ter lirismo e 
mesmo assim, ser chique desde os tempos de Camões.
Poesia não precisa de igualdade, 
de você achar que o que escrevo é verdade,
assim como o que você escreve e acha o máximo, 
colocar as palavras em ácidos e provocar dizendo 
que agora o que está em voga 
são desconstruções





Adriane Lima



Arte by Wendy NG

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Agonia moderna



Não é preciso singrar
o verbo
nem acreditar que a rima
é pobre
não é preciso ter um
pseudônimo nos concursos
atuais

muito menos achar que poesia
é isso...
não precisa escrevê-la no corpo
nem editá-la em ônibus ou trens

caso não tenha pago para entrar em nenhuma antologia
calma minha filha
você não é a pior poeta do mês

Nem sei dizer onde isso começou
ou se isso é mesmo só magia
falar que poeta é burguês

e dá status e alguma garantia
eu mesma posso afirmar
que isso já me salvou um dia

sentada em um sarau
de grandes nomes
olhei ao redor e quem havia ?

eu a louca do castelo
a outra era pura nostalgia
e nós salvamos
cada palavra que ali havia




Adriane Lima





segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A magia entre os dedos



As mãos
a que tudo unem

expressam
modelam
verdades ou
artífices

as de minha avó
faziam tricô
as de minha mãe
abriam tarô

as minhas necessitam
todos os dias 

rasgar o infinito 
em poesias 











Adriane Lima






Arte by Agita Keeri  

Ofuscante dor



Eu sou meu próprio espelho
refletida entre o bem e o mal

o que dizer diante da existência?
reflexo onde nada se vê

o imaginário me transporta
através do que acredito
ser o real

Limite maior é o saber-se avesso
confessar-se incógnita diante de
um mundo doente, é hoje
tão normal
















Adrine Lima






















Arte by Catrin Weis Stein

sábado, 7 de janeiro de 2017

Branda cegueira



Ouvi suas palavras
com os olhos
inefável certeza
me vinha

Procurei o silêncio
das mãos e
assim
decifrar entrelinhas

vozes da vaidade
internas, incógnitas
indecifráveis

o silêncio me deixava cega
tantas palavras

expressadas igual a um vento






Adriane Lima




Arte by Rafal Olbinski

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Náufrago de mim



Era azul o que pesava
céu de ascendência frívola
jogava em minha cabeça
o peso de um sonho
e o silêncio dos grandes olhos
que me viram naufragar







Adriane Lima





Arte by Jessica Singh 

Sal da vida



Quem ama
faz drama
poderia ser o óbvio
para rimar

quem ama
torna-se ilha
cercada de águas
desejosa de continentes
que pudessem lhe agregar













Adriane Lima













Arte by Eloidie

Desproporção



Através de meus olhos
vejo a dor do mundo
miséria que caminha
de mãos dadas com o egoísmo

A guerra de homens pelo poder
pela insensatez de não caberem em si

Através da alma
me nasce um cansaço profundo
desejo de catatonia e mudez

O mundo febril das agruras
que desconhecem um fim
a sorver até a última gota de sangue
do mundo, colada a minha lágrima










Adriane Lima






Arte by Yudhistira Yogasara

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Entre elegias



Há um silêncio de fora
que tornou-me sábia aqui dentro
Reverbero em mim mesma




Adriane Lima






Arte by Agnes Cecile

Relicários



Perder
a noção do tempo
a visão do espaço
a ambição dos homens
a digestão dos dias
a condenação dos sentidos


Ganhar
a noção da vida
a visão da alma
a ambição da leveza
a digestão da mágoa
a condenação do que não foi sentido










Adriane Lima






Arte by Omar Ortiz

Vidas




Se eu pudesse descrever
em uma palavra
todos os homens dos quais me relacionei:

- Covardes


Palavra que me foi apreendida
para aqueles que não lutam por amor 


Isso mesmo:
Tá ai,  fazendo cara de quem comeu e não gostou ?

- Covarde






Adriane Lima

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Para quem entende uivos






Melhor assim:
escrever teu nome em braille
já que estou cega de amor





Adriane Lima






Arte By Lucile Belaur

O que poderíamos escolher



Poderia te convidar para o jantar
colocar na vitrola aquele blues
que dói dos olhos até a alma

deixar sorver entre os lábios
o frisante da paixão derramada
liquidando a certeza do drama
que existe no que acreditamos ser amor
e a mentira episcopal que nos salvava

você com suas mãos delicadas
saberia onde tocar o verbo
não pronunciado 

desde que o ano começou

talvez não dê tempo
de ver a tempestade
de comprovar que somos só saudade

hálitos de vinho e fumaça
entre viagens nostálgicas
e gargalhadas que não
conseguíamos fazer parar



Adriane Lima







Arte by Hagin Bae


Onde reside a esperança



Fechei os olhos, imaginei-me 

encantadora de palavras
pedi que elas sentassem e 

perdessem a visão sentimentalizada 
e mundana que lhes davam

olhares nobres e poéticos, onde
permanecia a fome de verdades
daquilo que eu via em seus olhos

sem coragem de dizer um som sequer
um sonho lunar de brilho vago
habitou em mim
refletido no espelho da alma vazia
que não morava mais em casa

Queria caber no corpo do mundo
as palavras pesadas me impediam
de ser a leveza e encantamento

onde a violência gritava e se alimentava
por buracos herméticos
enfeitados por muitos
desde a época do período Bizantino

-onde trocamos a aura pelo ouro






















Adriane Lima





Arte by Emir Ershal


Caminhos



A vida e suas voltas
novelo de Ariadne
sem tantos nós

linhas esticadas, retas obliquas
que não podemos decifrar
pelas mãos do destino

há delicadeza no sublime
na cumplicidade entre o elo
da linha e do espaço

usados para serem cúmplices
marcados pelo amor e rancor










Adriane Lima





Arte by Rafal Olbinski
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