quinta-feira, 23 de novembro de 2017

No azul da noite



Alimento minha solidão e medo
como alimento meus gatos
De hora em hora
com as mãos cheias de grãos
cercados de amor





Adriane Lima




Arte by Alberto Tamburro 

Cores da dor



Quando a branca manhã vier
estarei debruçada 

em minha
negra solidão

Saberei acordar e
não arquear as costas
nesse peso solitário
de carregar nela
o medo do dia





Adriane Lima




Art by Thuc Tran 

Silêncio de um eco



Há muito me despi
do paraíso
rasguei véus
envoltos em lutas
que não sei nomear

Cansei de morrer
em combates
contra mim mesma






Adriane Lima





Art by Dino Valls

O que resta em mim



Queria ser movida
por algo que não fosse
a contraditória fé

Queria ser tocada
por algo que não fosse
a ilusória arte

Queria ser tudo
que não fosse Amor





Adriane Lima




Arte by Al Saralis

Comunicado



Se você soubesse
tudo que me causa
garanto que você
viveria o efeito





Adriane Lima





Art by Derek Gores

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Tempo de estrelas



Sonhei fazer
tantas viagens com você
percorrer o mundo e
em seus olhos
enxergar belezas

Perdi seu endereço
e todas as ampulhetas
de medir o tempo
me mostravam

Um trem para
as estrelas













Adriane Lima




Arte by Van Hole

Desconstruo a elegia



Sei que é primavera
os pássaros e as flores
se mostram em tal cena
diante de minha janela

Sigo cansada de humanizar
tudo que vejo ao abrir os olhos
nesse mundo que habito e
sou habitada

Há uma casa em mim
que fraqueja ante qualquer vento


admiro cada dia mais
os corajosos que expõem
rachaduras, vazantes e abandono

Ando distante
desses que se dizem mestres
e não me dizem nada
com suas citações de autores
de livros amarelados 
comprados em sebos


Comecei cedo
a ter olhos de paisagens
falar com os animais
ser essa tola, verdadeira e
sentimental demais


Sem sede de poder
e de palavras






Adriane Lima







Arte by Muge Basak

Vertentes de um pulsar vazio



Nem todas as palavras me cabem
em horas cotidianas
são visões emolduradas
através do vidro empoeirado
onde um leve sopro de aragens
me faz companhia

Meus olhos que sempre viram tudo
agora embaçados, se negam o longe


Chego a brincar de desvendar o outro
o que pensa a moça que olha o céu
o velho que pausa de cabeça baixa
o cão que se lambuza de restos

Somos marionetes da rotina
a correria não nos deixa ver
em um universo tão visual

Letreiros, sinais, setas, indicam o vazio
de um cordão umbilical que se partiu

e tudo, é tão nada

Sou meus olhos,
a procurar uma solidão vasta
enxerguei tarde
no desvão de imagens

Onde tudo são  sensações
sem linguagem 
do tempo íntimo da vida








Adriane Lima






Arte by Xavier Pesme

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

A leveza dos dias



Ele carrega nas costas
minha torre de Babel
as mil línguas que falo
e outras tantas que calo

Vivemos a imensa astúcia
de trocar intuições





Adriane Lma







Arte by Alessander Sulimov

Naufrágios



Ele disse a ela
que tudo o que
mais queria era

a(mar)

mesmo assim
nunca navegava
ao seu lado





Adriane Lima







Arte by Wendy Ortiz

Tempo e poeira



Estou ficando como a
minha casa
retendo histórias
restos inúteis

mobílias, vestes, utensílios
sem o toque febril
do que pulsa

criando nódoas, espinhos,
papéis que ninguém lê

jardineira
bailarina
caçadora
fantasias que visto


onde me encontro
encardida
cheia de excessos
cheirando a guardado

ocupando o vazio
visitada por olhos estranhos
abandonada

me resta ir
morrendo aos poucos
feito a casa
onde me encontro













Adriane Lima




Arte by Jaque Hudson

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Sal e silêncio



Ontem a felicidade 
me fez vazar
através dos olhos

verti água
da mais pura alegria
ao gargalhar
e ao mesmo tempo
lágrimas derramar

Aquilo que me toca
me faz vazar pelos poros
eriçar pelos
pele e intensidade

Ao ser penetrada na alma
vazo salinidade pura

que dentro de mim
guardada estava
para se espalhar corpo
à fora

Minha liquidez vai se perder
ao me doar a um mundo árido








Adriane Lima





Arte by Roberto Ferri

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Um dia de cada vez



Por você eu já perdi tanto
tanto tempo de espera
tanta certeza do que eu era
entre noites insones

Foram tantos sonhos vãos
tantos medos guardados
tantas lástimas por dizer
tantos versos por escrever
tantas verdades perdi
tantos lugares esqueci

Tantos amigos sumiram
outros tantos descobri
tanta prudência guardei
tanta loucura vivi
tanto me embriaguei
tantos desejos aplaquei

Por tantos céus me calei
entre tantos chãos que busquei
de tanto atônita ficar
foi que percebi que ganhei
meu despertar










Adriane Lima





Arte by Aydkut Aydogdu

domingo, 10 de setembro de 2017

Ausências



Tua mão era segura
porto, colo ou teia
um doce alento
em mundo onde
dedos tocavam
o desejo breve

eu que sempre fui
de fazer dramas
rio alto toda ruptura

bem sei que
toda trama se despe
de todo afeto insólito
sem rastros de amarguras






Adriane Lima




Arte by Cristina Fornarelli

Amabilidades



Não foi sequer necessário 

um gesto de brutalidade
para fazer os seixos dos rios tão perfeitos

o que flui tem amabilidade e doçura
a água com sua leveza e movimento
deu-lhes formas complexas embora duras

penso assim ao lembrar de você
o silêncio e vazio entre nós
esculpiu sentimentos fortes

aprendemos que o amor
deixa marcas que nem sempre
precisam doer







Adriane Lima





Arte by Galya Bokova








sábado, 9 de setembro de 2017

Quando o medo se enganou



É provável que eu atravesse
essa noite escura
esse gélido pesar
esse sonho de juventude
essa falta do que falar

Toda cicatriz já
foi porta para o abismo
restos de cinismo
palavras tão usadas
em embates esquecidos

rostos que reconheço
ruas que pisei
amuletos que guardei em bolsos

tudo se faz presente
e é bem provável
que tudo não passe
de motivos para rir

tempos depois







Adriane Lima





Arte by Escha van d
er Bogerd 






sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Estáticos colibris



Como ouvir a voz
que me chega ao fim da tarde
como entender a pergunta
que vaga em tamanha naturalidade

esqueça qualquer resposta
dita em delicadeza

a verdade está exposta
dentro da gaveta
do criado mudo

acorrentada a dor
do descontentamento

trincando dentes que
por alguns anos
sorriam reconhecendo
o engano e tantas
demoras





Adriane Lima







Arte by G
raszka Paulsk

O blues de minha noite



Pudesse uma flor,
um luar , um poema
pudesse qualquer esperança
amortecer o peito

das turvas águas das lembranças
a desaguar
no cais de minhas mágoas

pudesse abraçar
o tecido da memória
e adormecer
a palidez das horas






Adriane Lima





Arte by Max Winger 

Um céu para se agarrar



Alguns homens que amei
me traíram

Não a mim
corpo, carne e sexo
e sim
a minha alma e memória

Vivendo com as outras
os mesmos versos,
as mesmas músicas e histórias

Sim, toda forma de entrega
é ilusória

Amamos a nós mesmos
com a força perene
vulnerável à qualquer amante




Adriane Lima






Arte by Muge Basak 

Artifícios



Faz comigo uma viagem
uma tatuagem
algo para marcar

faz comigo uma bobagem
dessas que só o amor possa
depois justificar








Adriane Lima







Arte by M
arty Mccorkle

Janelas do mundo



Em tempo de flores
tão leves e tuas
tão frágeis e minhas
ou de tantas outras
que nos teus olhos habitam
como cada dia, teço a vida
abro a janela esquecida
ao juntar palavras e amor
com um tom de gratidão
e através da alegria
vivo
essa paleta de pintar o mundo
Em paz ...





Adriane Lima







Arte by Galya Bukova

domingo, 20 de agosto de 2017

Prosa para pessoas sensíveis IV



Vovó dizia: - minha filha, a arte quebra certezas, abre imensas fissuras, por onde passam gestos direcionados aos que vivem sonhos, bagunçando folhas e cabelos, feito ventania em dia calmo, (o que está interno não se abala).
Assustei-me, não mais me acostumara aos que tinham olhos para dizer palavras espontâneas e verdadeiras.
Pensei em meu silêncio pouco artístico: nada mais em mim era reflexo dessa leitura que ela via.
Ando mesmo é contraditória, não compreendo poetas que vendem-se em citações desenfreadas os pedaços de sua poesia.





Adriane Lima













Arte by 
Svetiana Tikhonova 

O uniVerso que não voa



A luz de um dia cinza
trouxe-me nebulosas lembranças
a cor de teus cabelos
as muralhas avistadas
em teus enigmas
o riso trêmulo
feito asas que vacilam
ora queriam mentir, ora calar
as mãos pequenas
envolta em flores
fico hoje em silêncio
e perplexidade
vigiando meus pensamentos
sentindo as mudanças
vivendo a decadência
de todas as qualidades
que enxerguei em você
intuo assim que meu coração
continua verdadeiro e em paz
anterior e posterior a tudo isso














Adriane Lima










Arte by  Carla Colombre 

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Adentro in pele



Acordada
encho meu corpo de tatuagens
ao sonhar
me vejo sempre nua

hieróglifos antigos
não decifrados





Adriane Lima







Arte by Tony Rubino 

A melancolia veste azul



Com as mãos cheias de estrelas
o gesto em conchas 
guardo o brilho, que só eu vejo
fixo o olhar em suas cicatrizes
salpicadas de luz e escuridão

entre o que meu olhar capta
há um imenso monte de areia
que imagino o Olimpo de um deus grego
cujo vento plastificou o rosto e os cabelos
paralisando a imagem em meu peito humano

no fundo eu sei
que é você, que enterro
a vida torna-se apenas silêncio
meu suspiro abafado é golpe de ar
um lastro de melancolia e riso

são tantas dores cristalizadas na alma
voos eufóricos que morrem no asfalto
tudo agora é incerto
e quando o pôr do sol
vem me visitar, nunca sei
se é apenas uma cena de filme de amor




Adriane Lima



Arte by Wayne Pruse 

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Em defesa própria



Um dia idealizei teu corpo
animal que pensei voraz
e era extinto

real em solidão inaudita
suas palavras sórdidas
viraram feridas

Quem é você hoje?
visível repetição de gestos
herdeiro de dores
vestígios de olhares
que se fazem novos

mobílias presas,
em suas ilhas
músicas dedicadas
em meio à leituras,
que inventavas
em plena insônia

eu rio bem alto
das evidências
os buracos no peito
ressoam avessos
a toda engrenagem

e minha melhor escolha, 
foi a de colocar um cadáver
em seu lugar







Adriane Lima













Art by Alisson Hill

terça-feira, 11 de julho de 2017

Águas e memórias




Quando o amor chegar
estarei longe
e meus olhos estarão no mar
úmidos, ondulantes,
recuando nas areias
do pensamento

o amor só entende
a mágica linguagem
da coragem
ruínas, ossos, voragens

e eu
de desfechos

quando o amor chegar
já não me fará surpresas
seus gestos não serão puros
seus braços apagarão estrelas
desviadas do olhar

as palavras-peles
estratégias que não sei
me esquivar

sobre as águas, memórias
flutuantes, o ir e vir
e o ficar, condensadas
em tempo artificial

quando o amor chegar
estarei morta
ele será a centelha do universo
e eu finalmente, 

livre da espera de amar










Adriane Lima




Art by Galya Bukova

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Inocentes ou culpados



Chegará um tempo
que tudo o que vivemos
palavras que dissemos
deverão ser esquecidas
elas não serão mais nada
além de sonhos e desatinos
numa tentativa indisfarçável
de reter o que não mais abrirá caminhos

não diminuirá distâncias,nem
parcas e velhas lembranças
ou sonhos brotados entre meras ilusões

chegará um ponto
que nada mais fará sentido
além da máscara colada a pele
entalhada no brilho do medo
ou da decepção

um dia sentaremos na sarjeta
olharemos estrelas mortas
brindando o que sabíamos
ser só desejo

abrindo os abismos da alma
com a suavidade da voz
do grito contido
pela palavra que nunca foi dita

e que nunca saberemos onde foi parar
















Adriane Lima







Art by Aykut 
Aydogdu

A brevidade das verdades



Existe o espaço contemplativo
que desaprendi a deter
onde flores vistosas
perdem a cor, secam
em um tempo feito para morrer

Não poderia ser diferente
a visão dos dias idos
deixam apenas resistência
a minha interna vã filosofia

Tantas coisas simples morrem
em mim, e não há nada que
se possa fazer

areia em meus olhos
pesar em meu peito sempre desprotegido

Sussurro uma canção que gosto
para esvaziar o pensamento
algum vazio atinge os ossos
por essa eterna mania
de viver perdoando os fracos








Adriane Lima








Art by 
Aykut-Aydogdu

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Fria constatação



Depois daquele amor
que um dia
só me deixou feridas


sou livro raro
sou página que nunca
será lida






Adriane Lima






Art by Escha van en Bogerd

O risco das palavras



Nas frestas das manhãs
colho os dias sem sentido
labirinto esse, que sigo
para encontrar saídas
vivendo mortes diárias
uma vida sedentária
de se estar sempre perdida

estrangeira de meu útero
não sou a de outrora
aqui dentro ou fora
a imagem no espelho
me devolve todo dia
o que internamente já sabia

tempo de fragilidades
riscos na pele, suturas
alma enternecida
sem roteiros previsíveis
sem poder saciar a fome
das verdades que gritaria

é um tempo, dentro do tempo
um dia depois de outro
em uma manhã depois da outra

e a rosa de meus dias
sucumbe em poesias 









Adriane Lima




Art by A
ykut Aydogdu

Das inúmeras razões



Nunca me salvo de mim mesma
aprendi a morrer todos os dias
afogada, decapitada, pisoteada

morro com as vísceras arrancadas
sob o olhar sádico dos que me cercam
sou a única que habita minha solidão

permito degolar-me para o silêncio
ser minha eterna aliada
diante dos lobos e homens lobotomizados

brindo com eles o mais puro vinho dos deuses
em grandes goles desse rito diário
que é ver a morte aconchegar-me

nos braços amantes e amigos
de quem já matei bem antes
em cada manhã distante






















Adriane Lima









Art by Juan Medina

Desmedidas



Tudo cabe em um poema
os olhos que nada enxergam
as mãos que nada seguram
os pés paralisados
as dores inexistentes
tudo cabe em um corpo
que nada sabe
que nada sente
então para a poesia resta a alma
essa que roubam
E nunca devolvem 



Adriane Lima










Art by Angel Ynanov

Sobre a pele da alma



O dia se abre em asas
forma de um livro
que leio
pela noite que vagueio
da insônia em companhia
o dia chega e se abre
pétala por pétala
vida que me veste
em casulo solidão
voar é assonância da alma
que a poesia me deu
e sinto que do eu
só resta o que doeu

















Adriane Lima



Arte by Rob Hefferan

terça-feira, 9 de maio de 2017

Poema alado



Encontrei uma palavra
embaixo do meu
travesseiro
pensei ser uma estrela
vinda do céu de minhas
lembranças

Palavras guardadas
onde não se imagina
me enchem de
esperanças










Adriane Lima










Arte by Sophia Bonatti

Tempo contraditório



Precisei ver a vida de perto
colher frutos do mistério
romper dores escondidas na alma
escalar degraus de minhas angústias
gritar aos recônditos de meus silêncios
era hora de correr os riscos
e adormecer no ventre do Amor próprio



















Adriane Lima













Art by Santiago Carbonell

sábado, 29 de abril de 2017

Notícias do tempo



Sinto que a vida passou
e eu não estava presente
Sinto minha menina
orvalhar no tempo
que meus olhos não registrou






Adriane Lima










Art by Rebecca Tecla

O querer



Meu peito
tem um grave defeito
abre, cuida, guarda,
sofre e se consome
quando ouve a palavra Amor
















Adriane Lima










Art by Galya Bukova

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Dores outonais


Quero sentir que estou viva
preciso do caos
dos risos largos
dos abraços em pele
seguido dos beijos
preciso saber do desejo
do olhar intenso
de tantas coisas que deveriam importar
do cheiro do mar
do vento a soprar
das esquinas dos bares
das ruas floridas
do gosto de algumas comidas
do sono tardio em noites de frio
das palavras verdadeiras
das dores reais
quero sentir que estou viva
arrancar esses sentimentos extintos
dessa vida interminável
revestida de melancolia






Adriane Lima







Art by Steve Hedenrson

quarta-feira, 26 de abril de 2017

O que há no peito humano



Não há nada além
de tudo que já perdemos
tirar leite de pedra
sempre foi mais ameno

Amor vem da força do verbo
que ainda semente
nos salva da valiosa realidade
dos traumas, dos medos, dos inimigos

Tudo cabe no estreito vão de nossas escolhas
o sonho da ficção naufraga a dor
lembro de meu voo em vórtices
os passos perdidos pela casa
os degraus de minha perturbação

Poderia ter inventado a liberdade
não a clausura do silêncio impossível
o abismo amargo ao tragar fumaça
entre as coisas humanas
que me consomem

Onde me distraio
trancando portas e janelas
e em minha fragilidade
tudo se entrelaça

Salvo meu gato escaldado
da água em ebulição






Adriane Lima









Arte by Van Holle

As estações do tempo



A flor do desejo
em tuas mãos jardineiras
tirou-me pétalas a pétalas

na trilha do peito
guardei impermanências
novas sementes
espalhei em solidão

não havia paz em canto algum
mãos feito heras internas
agarravam-se ao vento
sem esperança de primaveras



















Adriane Lima







Arte by Alisson Hill



Marcas me doem


Tento blindar
a alma das dores
elas atravessam
através de rumores

Sussurros chegam
em ventos inesperados

bocas famintas
que não sei alimentar

ruídos intensos
sabem como estilhaçar
meu coração






Adriane Lima













Arte by Iris Scott

sábado, 15 de abril de 2017

Ora direis, criamos flores



Eu sei quando te amo
quando penso em você
e sorrio com os olhos perdidos

quando levanto e vou até
o meu jardim com uma xícara de café
nas mãos, lembrando sua indicação
de que era preciso
tirar a água antes que fervesse

quando ando pela casa pensando
o que fazer ao entardecer e tendo
a certeza da solidão como companhia

quando faço a grande alquimia entre
mil temperos e cheiros e danço na cozinha
como fazíamos aos domingos

quando minhas dores cinzas
transformam-se em tons alegres
e relembro de tantas coisas que aprendi

quando com minhas sombras me confundo
e busco teu corpo para abraçar

eu sei quando te amo
quando todas as metáforas fazem sentido
e sei que tudo na vida,
não valem os poemas que li

os medos dos quais fugi
quando não é mais segredo
as letras, as histórias, as bebedeiras
os lugares, as situações inenarráveis

que guardarei na memória





Adriane Lima






Arte by Geraldine Muller







sexta-feira, 14 de abril de 2017

Onde deixei minha via crucis




Estou sentada à beira da porta
nesse dia silencioso.
A poeira tomou conta dos batentes
e tudo que penso é no vazio da queda
das formigas que por lá passeiam.
Até os pássaros resolveram não cantar.
Começo então, a contar tudo,
que está ao meu redor: ladrinhos,
árvores, galhos caídos ao chão.
Percebo então, os paradoxos desse mundo cão.
A lagartixa negra camuflada na parede branca,
a grama que cresce e mata as flores,
o animal que urina onde se alimenta,
o céu azul que é peso e me dói nos ombros.
E essas horas tristes, que nunca passam,
sempre um outro tempo de decepções.
Cristalizo-me por saber que de nada adiantaria
inverter o passo, correr para trás o tempo.
A dor de não pertencer a nada, só não é maior
que todos os sonhos roubados.
É dia santo bem sei, e toda verdade que há em mim
desfez os laços das mentiras que há em ti .
Abri minha caixa de mágoas, joguei uma a uma
na água escorrida da sarjeta e fui buscar minha alegria
exilada em alguma esquina, onde a vida já me sorriu
e eu distraída não prestei atenção.




Adriane Lima






Arte by Jan Saudek

Adocicados enganos



Eu sou aquela
que faz bonecos de neve
em pleno trópico quente

luta contra moinhos de vento
em pleno deserto da mente
escala montanhas de sonhos
deitada no sofá da sala

que retira a lama
tendo os pés em nuvens
a que doa o punho à navalha
sabendo que não corta nem água

que deseja a alma suja
retirando poesia dos dias
a que possuí castelos
e dorme na alcova

oposta a tudo
libertária de pássaros
em pleno voo
eu sou aquela
assustadoramente só







Adriane Lima









Arte by Galya Bukova

De onde vim



Vivi para inventar
um tempo que nunca existiu
um amor que nunca ficou
uma dor que nunca passou

um caos que perpetuei
uma morte que não engoli
uma coragem que nunca tive

a palavra, o gesto, a poesia
o assombro ao criar dores
cortando-se diariamente
para beber o próprio sangue

pedir perdão ao átimo
onde a realidade fugiu,
onde a corda rompeu,
onde o sonho acabou...?

e chegar ao outro lado
salve guardada de meus pecados
por ter matado aos poucos
minha plena vontade de vida







Adriane Lima






Arte by Kari Lise Alexander

Tempo de doer



No começo de mim
era rio, pastos alagadiços
terra de chão batido
muros baixos, caminhos livres

Novo tempo de mim
varandas altas, apartamentos
ruas desconhecidas
onde aprendi decorar nomes

Esse tempo de mim
de perdas, descaminhos
sonho de um lar, caos sem casa
pedaços esmagados em solidão,

Nas profundezas de mim
feita de mortes dos sonhos
onde hoje, os rios são rostos
que passam e se modificam

As margens de mim
sem paradas, seguem fluxos
entre os dias que no leito
eu mesma, teimo em não mais, adormecer










Adriane Lima







Arte by Forooghi Forooghi


quinta-feira, 13 de abril de 2017

Olhos narcísicos



Diante de um encanto
sou lírica em demasia
vejo além do que meu olhos alcançam
em métricas fotografias
sou enquadramento, a lente
desse seu olhar de poesia.








Adriane Lima











Arte by Charmanie Olivia

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Quisera saber



O tempo, mora em uma casa que ele pouco frequenta.
Sabe seus costumes, suas lendas, sabe das saudades apenas um terço.
O tempo devora em mim o que decifro.
Mesmo que doa em nós, as diversas casas que não habitamos ...

















Adriane Lima






Arte by Marina Diel 

Quedas míopes





Dos abismos que há em mim
não sei porque é assim
mágoas não se dissolvem
em lágrimas livres
presas em abraços







Adriane Lima





Arte by Alessander Levausser
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