sexta-feira, 31 de outubro de 2014
Antagônico querer
Como toda boa vilã
dispensei a carapuça
e o velho ditado :
que cada um dá o que tem
Só o poeta se doa
em terceira pessoa
e ainda pulsa em seu desdém
Adriane Lima
Arte by Solve Sunsbo
(In)exato
Muitos se julgam sozinhos
mesmo tendo companhia
é a dupla solidão
do Eu e Você
que os acaricia
Adriane Lima
Arte by Tatyana Ilieva
Ato insólito
Tenho visto gente
cometer esse pecado
que faz o meu cachorro
fura sua tigela d'água
e depois fica com sede
frente ao pote furado
Adriane Lima
Arte by Jim Daily
Ao sabor do tempo
A menina que vive em mim
traz o amor nos olhos
a meninice nos pés
e a dor dos amores
exilados
através dos olhos dela
vejo as paisagens da memória
e toda saudade
tem gosto de doçura escondida
Adriane Lima
Arte by Tatyana Ilieva
Pura proteção
Fui toda coração
ao perceber
não mais
te pertencer
me soou o alarde
contra covardes
de minhas costelas
faço grades
Adriane Lima
Arte by Ken Wog
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Onde guardei abismos
Desconstrui rotas
construí asas
abri janelas
fechei a imaginação
mais por destino
e menos por compulsão
embacei os olhos
comecei a ver com o coração
entre meu sonho e a vida
coloquei em meu colo
essa mulher protagonista de
pausas avassaladoras
sob o fardo da solidão
me dei forças,
burlei regras
dobrei esquinas
quebrei resistências
amei muitos e duvidei de poucos
erro crucial para uma amante
acerto total para uma poeta
jamais me convenceram
de que não deveria amar
e reinventar velhos
ou novos modelos
e seguir a esmo
trazendo no peito todas as
vozes e ardis de tudo que
mesmo cansada construí
e agora estando bem acordada
foi que descobri
era internamente que guardava
o amor que tanto procurava
Adriane Lima
Arte by Marco Manzonni
Criador e criatura
Outro dia sonhei ser passarinho
e cantei infinitamente
para quem
não gostaria de ouvir-me
outro dia sonhei ser flor
e perfumei demoradamente
quem
não poderia sentir-me
outro dia sonhei ser gato
e vivi felinamente
com quem
nunca acreditou
em vida doméstica
existem dias que meus
sonhos
parecem sangrar
Adriane Lima
Arte by Tatyana Ilieva
Morte cotidiana
Há sempre leveza
nos sonhos
no girassol que se contorce
e se desvia das sombras
há sempre leveza
no peso que aceitamos
Só não há leveza
nos dias que desperdiçamos
sendo a falta do que
não fomos
nem em sonhos
Adriane Lima
Arte by Brian Viveiros
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Dialética sutil
não mais poema
versos que aprendi
a escrever depois rasgar
Adriane Lima
Arte by Daryl Zagne
Nas asas do ventre
Tudo vem do vento
do vento vem seu perfume
ecoando entre silêncios
a vida nascida em rosas
para enfeitar a morte
e postergar a secura inevitável
tudo vem do ventre
do ventre vem meu ardume
trazido entre palavras ressentidas
que se misturaram ao estrume
de uma paz tão sonhada
que nunca existiu
nesse buquê invisível
entre o que é real
e o que inventamos
existe o fio da história
desde o jardim do Éden
a mulher que escreve versos
sente o sopro dos diálogos
abafados pela mágoa
agora de olhos fechados
alisa a areia do tempo
enquanto toca o mar
e os desenganos
com seus pés de nuvens
Adriane Lima
Arte by Helen Mauren
O silêncio conVersa comigo
Há outros
mundos
eu me
dizia
há outras
dores
além
dessa
eu me
dizia
é pranto
que
nunca seca os
olhos
é sal que
morre na
boca
são mãos
que
atravessam
grades
são gestos
que
lambem
dedos
bardos que
não
adormecem
poético
olhar
sobre o
que
não
entendo
são gritos
de
sentimentos
são olhos
de
infância
tardia
são
órbitas
no baile dos
símbolos
intuição de vida
apontando o mesmo
lugar
imagens
construídas
a tudo que vejo
e
sinto
são os
espelhos
que narcisicamente
aprendi atravessar
crente, faço
preces
a meus deuses em
vão
em cada conta do
rosário
toco desejo e
repetição
nessas horas vou me dizendo
:
- a esperança é pura
ilusão
qual mundo encontro a
palavra futuro?
relógio que marca tristezas
e
alegrias do meu
coração
Adriane Lima
Arte by Johanne Cullen
sábado, 11 de outubro de 2014
Predadores naturais
O amor é infinito
igual ao sonho das crianças
o olhar é infinito
igual o sonho das lembranças
Adriane Lima
Arte by Daril Zang
Pássaros da memória
Guardo
tantas lembranças
caixas e mais caixas
de interior tão humano
hoje
as lágrimas
foram morar
em muitas delas
e relembrar velhos planos
o que repeti
de histórias
compõem
meu sagrado
in memórian
frequentam
meu passado
dos bilhetes desgastados
as entradas de cinema
aquilo tudo que me fez
morrer de paixão e
viver de momentos
que valessem à pena
as caixas
são os pedaços
de meus breves
alumbramentos
vejo-me nesses
guardados e sei
que foram um grande alimento
os que rasguei, ou
não guardei sei que
foram apenas passatempo
minha alma
jamais foi contraditória
a ela pertence
uma sabedoria
antiquíssima e futurista
de toda minha história
Adriane Lima
Arte by Laura Westlake
Tempo líquido
Sou tão líquida
em meus globos
moram mares
meus olhares
cheios de útero
vazam os filhos
e o tempo perdido
meu colo está
alagado
as mãos em concha
guardam os peixes
da inquietude
Adriane Lima
Arte by Daria Petrelli
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Ao desassossego da flor
o seu caminho
onde a vida lhe via
como o mais belo
arremedo de flor
- em algum lugar
esquecida, cansou.
elevou os pés aos céus
desenterrou raízes
e assim, de alma
nua, brincou .
foi viver livre
desvestida de rosas
enfeitada de pétalas
em jardins de artifícies
desejou ser pedaços
de não-poesia
despetalou-se entre
a lucidez e a loucura
e nessa fragilidade
foi sangrar sonhos
nos reais espinhos
do viver sem narcisismos
do olhar de um poeta
Adriane Lima
Arte by Gianni Bellini
quarta-feira, 8 de outubro de 2014
Metáforas interditas
Há os que são
felizes
escondendo
tudo
até as rimas de
amor
debaixo da
língua
carregam em si
a sabedoria
nata
dos olhares
poéticos
das frases de
efeito
os silêncios
sutis
há os que são
felizes
escancarando
tudo
até os versos de
dor
cravados na
pele
carregam em
si
o defeito
nato
das observações
ingênuas
dos poemas de
anseio
os silêncios
febris
e se tratando de amor e
dor
calar ou
falar
não faz Sentido
... é só um Sopro
Adriane Lima
Arte by Pat Erickson
O que bocas articulam além de voos
Queria lembrar
o gosto de teus lábios
saliva do murmúrio adocicado
entre tantos anseios
queria lembrar
o pecado de teus beijos
o som ofegante
do pensamento
entre o recado e o lampejo
queria lembrar
o beijo
a função sintática
a sublimar meu desejo
despalavreando o
complemento boca
Adriane Lima
Arte by Anne Cresci
Onde a noite adormece e ganha asas
Onde mora a verdade
na palavra que faz ferir
no silêncio que faz seguir
ou em nada que nos convença?
a forma de transformar
tristeza ou felicidade
em buquê de sentimentos
somos feitos da
mesma matéria
dos átomos
infinita miséria
e tudo é contemplação
a verdade sempre aparece
na paisagem árida da dor
na fresta onde entrou o amor
e ali ficará brincando
até encontrar a cama
para adormecer
como tantos outros
ornamentos
amor não morre
adormece e renasce
na alma do mundo
acordando os homens
de seus enganos
Adriane Lima
Arte by Mathew F. Cheynne
terça-feira, 7 de outubro de 2014
Reflexos da natureza
Você relata saudade
o vazio da matéria
e tudo isso me compõe
das pequenas flores
que estampavam o
vestido do nosso
primeiro encontro
a ampla incompletude
do sol no verão
da lua no outono
das paisagens as paredes
de nossa atual solidão
cerco-me de infinitudes
para recriar alegria
e gostar novamente
das flores em meu vestido
penso perfumar meus
sonhos para o verão
que vem de novo chegando
Adriane Lima
Arte by Chelin Sanjuan
Verbos em carne e osso
Me doei tanto à você
vísceras, mãos e coração
feito corvo que espreita
a presa do alto
estraçalhou-me
com intenção
minha alusão
era olhar-te
nos olhos
e dizer :
deixa-me
ser tua
por inteiro
Adriane Lima
Arte by Santiago Carbonell
segunda-feira, 6 de outubro de 2014
Diálogos surdos
Há um sol dentro de minha boca
O poeta lê meus versos
e com seus olhos de boca
indaga-me entre sorrisos:
qual a dor que em ti
não aceitas ?
minha boca irrigada
pela saliva do espanto
entre lampejos responde:
a primeira vez que senti
quebrarem meus ossos
era dor desconhecida
embora ferida, não me
percebi no chão
...me arrastei
até encontrar um lugar
de repouso e ali
permaneci quieta
fingindo resistir
pela natureza da vida
os ossos colaram
embora não me
permitissem correr
como antes
-era só Paz que desejava
imbuídos de poder e
orgulho, quebraram meus
ossos de novo
impossível não cair de
joelhos, ganir feito
animal desprotegido e
me esconder mudando a
imagem, até do espelho
mental
fixei-me em um lugar
de solidão, embora cheia
de vida, não mais desejava
a humana sensação
- da crença
- do amor
- da compaixão
entre espaços reduzidos
de homens e seus desejos
senti a vida refratária
já não sabia mais se
tudo que aconteceu
fora ódio ou amor
não queira entender
minhas escolhas, nunca
quis enfeites, nem ataduras
nem colo, nem medição de
minha humana dimensão
não guardo ódio
rancor e nem esperanças
joguei fora até mesmo
os raios X das fraturas
e arrependo-me
poderia usa-los
para ver o último eclipse
aceite poeta como
resposta a minha dor
esses versos
esses versos
de um poeta maior
que diz assim:
" Como pode um louco que a si próprio se chama "Eu" supor que entende um não numerável quem?"
E. E. Cummings
Adriane Lima
Arte by Anna Hammer
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