quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Pequena confissão burguesa





Porque sempre
automatizar
 

pentear cabelos
arrumar a cama
tirar o pó dos móveis
lavar a louça suja
alvejar a roupa usada
sair para a rua

porque sempre
seguir as regras
não fume
não chore
não beba
não sinta

porque sempre agradecer
obrigada pela palavra
obrigada pelas flores
obrigada por estar viva

porque sempre ser previsível
ter frases feitas
sorrisos mansos
abraços afetivos

porque calar a fúria
de se estar vivo

quando se é poeta
pode qualquer escrita
não valer de nada
além de lamber feridas

porque não usar a força
porque não usar a arma

porque qualquer contexto
pode ser um pretexto
para viver no hospício

porque a normalidade
são mãos
que se leem no escuro

são músicas que tocam
comendo as beiradas
dos infernos escondidos

são tintas que escorrem
na maquiagem da vida
enganando silêncios
de egos imaturos

só não me peçam
a glória do sossego
de enxergar um futuro

porque mais nada me pertence

 


Adriane Lima





Arte by Andrew Lucas 

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