sábado, 29 de abril de 2017
Notícias do tempo
Sinto que a vida passou
e eu não estava presente
Sinto minha menina
orvalhar no tempo
que meus olhos não registrou
Adriane Lima
Art by Rebecca Tecla
O querer
Meu peito
tem um grave defeito
abre, cuida, guarda,
sofre e se consome
quando ouve a palavra Amor
Adriane Lima
Art by Galya Bukova
quinta-feira, 27 de abril de 2017
Dores outonais
Quero sentir que estou viva
preciso do caos
dos risos largos
dos abraços em pele
seguido dos beijos
preciso saber do desejo
do olhar intenso
de tantas coisas que deveriam importar
do cheiro do mar
do vento a soprar
das esquinas dos bares
das ruas floridas
do gosto de algumas comidas
do sono tardio em noites de frio
das palavras verdadeiras
das dores reais
quero sentir que estou viva
arrancar esses sentimentos extintos
dessa vida interminável
revestida de melancolia
Adriane Lima
Art by Steve Hedenrson
quarta-feira, 26 de abril de 2017
O que há no peito humano
Não há nada além
de tudo que já perdemos
tirar leite de pedra
sempre foi mais ameno
Amor vem da força do verbo
que ainda semente
nos salva da valiosa realidade
dos traumas, dos medos, dos inimigos
Tudo cabe no estreito vão de nossas escolhas
o sonho da ficção naufraga a dor
lembro de meu voo em vórtices
os passos perdidos pela casa
os degraus de minha perturbação
Poderia ter inventado a liberdade
não a clausura do silêncio impossível
o abismo amargo ao tragar fumaça
entre as coisas humanas
que me consomem
Onde me distraio
trancando portas e janelas
e em minha fragilidade
tudo se entrelaça
Salvo meu gato escaldado
da água em ebulição
Adriane Lima
Arte by Van Holle
As estações do tempo
A flor do desejo
em tuas mãos jardineiras
tirou-me pétalas a pétalas
na trilha do peito
guardei impermanências
novas sementes
espalhei em solidão
não havia paz em canto algum
mãos feito heras internas
agarravam-se ao vento
sem esperança de primaveras
Adriane Lima
Arte by Alisson Hill
Adriane Lima
Arte by Alisson Hill
Marcas me doem
Tento blindar
a alma das dores
elas atravessam
através de rumores
Sussurros chegam
em ventos inesperados
bocas famintas
que não sei alimentar
ruídos intensos
sabem como estilhaçar
meu coração
Adriane Lima
Arte by Iris Scott
em ventos inesperados
bocas famintas
que não sei alimentar
ruídos intensos
sabem como estilhaçar
meu coração
Adriane Lima
Arte by Iris Scott
sábado, 15 de abril de 2017
Ora direis, criamos flores
Eu sei quando te amo
quando penso em você
e sorrio com os olhos perdidos
quando levanto e vou até
o meu jardim com uma xícara de café
nas mãos, lembrando sua indicação
de que era preciso
tirar a água antes que fervesse
quando ando pela casa pensando
o que fazer ao entardecer e tendo
a certeza da solidão como companhia
quando faço a grande alquimia entre
mil temperos e cheiros e danço na cozinha
como fazíamos aos domingos
quando minhas dores cinzas
transformam-se em tons alegres
e relembro de tantas coisas que aprendi
quando com minhas sombras me confundo
e busco teu corpo para abraçar
eu sei quando te amo
quando todas as metáforas fazem sentido
e sei que tudo na vida,
não valem os poemas que li
os medos dos quais fugi
quando não é mais segredo
as letras, as histórias, as bebedeiras
os lugares, as situações inenarráveis
que guardarei na memória
Adriane Lima
Arte by Geraldine Muller
sexta-feira, 14 de abril de 2017
Onde deixei minha via crucis
nesse dia silencioso.
A poeira tomou conta dos batentes
e tudo que penso é no vazio da queda
das formigas que por lá passeiam.
Até os pássaros resolveram não cantar.
Começo então, a contar tudo,
que está ao meu redor: ladrinhos,
árvores, galhos caídos ao chão.
Percebo então, os paradoxos desse mundo cão.
A lagartixa negra camuflada na parede branca,
a grama que cresce e mata as flores,
o animal que urina onde se alimenta,
o céu azul que é peso e me dói nos ombros.
E essas horas tristes, que nunca passam,
sempre um outro tempo de decepções.
Cristalizo-me por saber que de nada adiantaria
inverter o passo, correr para trás o tempo.
A dor de não pertencer a nada, só não é maior
que todos os sonhos roubados.
É dia santo bem sei, e toda verdade que há em mim
desfez os laços das mentiras que há em ti .
Abri minha caixa de mágoas, joguei uma a uma
na água escorrida da sarjeta e fui buscar minha alegria
exilada em alguma esquina, onde a vida já me sorriu
e eu distraída não prestei atenção.
Adriane Lima
Arte by Jan Saudek
Arte by Jan Saudek
Adocicados enganos
Eu sou aquela
que faz bonecos de neve
em pleno trópico quente
luta contra moinhos de vento
em pleno deserto da mente
escala montanhas de sonhos
deitada no sofá da sala
que retira a lama
tendo os pés em nuvens
a que doa o punho à navalha
sabendo que não corta nem água
que deseja a alma suja
retirando poesia dos dias
a que possuí castelos
e dorme na alcova
oposta a tudo
libertária de pássaros
em pleno voo
eu sou aquela
assustadoramente só
Adriane Lima
Arte by Galya Bukova
De onde vim
Vivi para inventar
um tempo que nunca existiu
um amor que nunca ficou
uma dor que nunca passou
um caos que perpetuei
uma morte que não engoli
uma coragem que nunca tive
a palavra, o gesto, a poesia
o assombro ao criar dores
cortando-se diariamente
para beber o próprio sangue
pedir perdão ao átimo
onde a realidade fugiu,
onde a corda rompeu,
onde o sonho acabou...?
e chegar ao outro lado
salve guardada de meus pecados
por ter matado aos poucos
minha plena vontade de vida
Adriane Lima
Arte by Kari Lise Alexander
Tempo de doer
No começo de mim
era rio, pastos alagadiços
terra de chão batido
muros baixos, caminhos livres
Novo tempo de mim
varandas altas, apartamentos
ruas desconhecidas
onde aprendi decorar nomes
Esse tempo de mim
de perdas, descaminhos
sonho de um lar, caos sem casa
pedaços esmagados em solidão,
Nas profundezas de mim
feita de mortes dos sonhos
onde hoje, os rios são rostos
que passam e se modificam
As margens de mim
sem paradas, seguem fluxos
entre os dias que no leito
eu mesma, teimo em não mais, adormecer
Adriane Lima
Arte by Forooghi Forooghi
quinta-feira, 13 de abril de 2017
Olhos narcísicos
Diante de um encanto
sou lírica em demasia
vejo além do que meu olhos alcançam
em métricas fotografias
sou enquadramento, a lente
desse seu olhar de poesia.
Adriane Lima
Arte by Charmanie Olivia
quarta-feira, 12 de abril de 2017
Quisera saber
O tempo, mora em uma casa que ele pouco frequenta.
Sabe seus costumes, suas lendas, sabe das saudades apenas um terço.
O tempo devora em mim o que decifro.
Mesmo que doa em nós, as diversas casas que não habitamos ...
Adriane Lima
Arte by Marina Diel
Quedas míopes
Dos abismos que há em mim
não sei porque é assim
mágoas não se dissolvem
em lágrimas livres
presas em abraços
Adriane Lima
Arte by Alessander Levausser
segunda-feira, 10 de abril de 2017
Palavras de proteção
Construo palavras artrópodes
proteção que não caberiam
em nenhum corpo
palavras em exoesqueleto
armadas, duras, revestidas em segredos
palavras inúteis
tão híbridas que não servirão
para nada
as palavras sendo signos
vindas de um monólogo divino
entre Eu e meu próprio umbigo
palavras artrópodes
me desamparam ao menor
sinal de perigo
palavras cheias de dedos
silenciam a pulsação do universo
em meu poema
não construo palavras artrópodes
sílabas frágeis, esvoaçantes
palavras me escapam e sobrevivem
da minha falta de sorte
Adriane Lima
Arte by Prashant Nayak
Poema reflexivo
Olho sua fotografia
finjo que não te reconheço
talvez me livre da culpa
queria ser a entrega
e sou a própria desculpa
de uma dor maior
de não nos espelharmos mais
Adriane Lima
Arte by Frans Kronjé
de não nos espelharmos mais
Adriane Lima
Arte by Frans Kronjé
Os lugares de mim
Tirei o domingo a tarde
para ler meus poemas antigos
ver quem eu era tempos atrás
como eram meus amigos
vasculhei entrelinhas
parei para relembrar
revisitei minhas dores
voltei em busca de mim
e me vi diferente
meus erros, medos e amores
não tem hoje meu espanto
quero agarrar a realidade
e me conhecer de novo
Adriane Lima
Arte by Prashant Naya
Onde existe o espaço
Chegado o equinócio do outono
se fosse eu mapa
e você bússola
sei que estaríamos perdidos
Adriane Lima
Arte by Gerard Schlosser
Poema sobre a mesa
Viver para pagar contas
pagar o pato
pagar o preço
morrer para apagar pegadas
apagar memórias
apagar segredos
e ser só
paz
Adriane Lima
Arte by Vitor Lolli
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