sexta-feira, 14 de abril de 2017

Onde deixei minha via crucis




Estou sentada à beira da porta
nesse dia silencioso.
A poeira tomou conta dos batentes
e tudo que penso é no vazio da queda
das formigas que por lá passeiam.
Até os pássaros resolveram não cantar.
Começo então, a contar tudo,
que está ao meu redor: ladrinhos,
árvores, galhos caídos ao chão.
Percebo então, os paradoxos desse mundo cão.
A lagartixa negra camuflada na parede branca,
a grama que cresce e mata as flores,
o animal que urina onde se alimenta,
o céu azul que é peso e me dói nos ombros.
E essas horas tristes, que nunca passam,
sempre um outro tempo de decepções.
Cristalizo-me por saber que de nada adiantaria
inverter o passo, correr para trás o tempo.
A dor de não pertencer a nada, só não é maior
que todos os sonhos roubados.
É dia santo bem sei, e toda verdade que há em mim
desfez os laços das mentiras que há em ti .
Abri minha caixa de mágoas, joguei uma a uma
na água escorrida da sarjeta e fui buscar minha alegria
exilada em alguma esquina, onde a vida já me sorriu
e eu distraída não prestei atenção.




Adriane Lima






Arte by Jan Saudek

Adocicados enganos



Eu sou aquela
que faz bonecos de neve
em pleno trópico quente

luta contra moinhos de vento
em pleno deserto da mente
escala montanhas de sonhos
deitada no sofá da sala

que retira a lama
tendo os pés em nuvens
a que doa o punho à navalha
sabendo que não corta nem água

que deseja a alma suja
retirando poesia dos dias
a que possuí castelos
e dorme na alcova

oposta a tudo
libertária de pássaros
em pleno voo
eu sou aquela
assustadoramente só







Adriane Lima









Arte by Galya Bukova

De onde vim



Vivi para inventar
um tempo que nunca existiu
um amor que nunca ficou
uma dor que nunca passou

um caos que perpetuei
uma morte que não engoli
uma coragem que nunca tive

a palavra, o gesto, a poesia
o assombro ao criar dores
cortando-se diariamente
para beber o próprio sangue

pedir perdão ao átimo
onde a realidade fugiu,
onde a corda rompeu,
onde o sonho acabou...?

e chegar ao outro lado
salve guardada de meus pecados
por ter matado aos poucos
minha plena vontade de vida







Adriane Lima






Arte by Kari Lise Alexander

Tempo de doer



No começo de mim
era rio, pastos alagadiços
terra de chão batido
muros baixos, caminhos livres

Novo tempo de mim
varandas altas, apartamentos
ruas desconhecidas
onde aprendi decorar nomes

Esse tempo de mim
de perdas, descaminhos
sonho de um lar, caos sem casa
pedaços esmagados em solidão,

Nas profundezas de mim
feita de mortes dos sonhos
onde hoje, os rios são rostos
que passam e se modificam

As margens de mim
sem paradas, seguem fluxos
entre os dias que no leito
eu mesma, teimo em não mais, adormecer










Adriane Lima







Arte by Forooghi Forooghi


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