quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Ao encantador de borboletas
Ele me deu o encanto de um coral
dizendo que eu poderia ser Cora Coralina
me pediu para ver o mar
caminhar no que é distante
e não ausente
ele me deu a semente de
plantar girassóis e ver rodar
as cabeças nos heterônimos
de Fernando Pessoa
ele me deu o esboço presente
de pequenas sutilezas e um
grande escárnio de um anjo exterminado
como Nelson Rodrigues
veja bem ,meu bem
ele me deu amor próprio
imortal posto que é chama
onde só Vinícius de Moraes
ousou se queimar
às vezes o bom senso não
serve para nada
mas basta uma palavra
um gesto enternecido
e eu nem mais
questiono o sagrado ...
Adriane Lima
Arte by Laile Dec
As pedras do reino
Eu
sou mar
transbordo
sendo lágrimas
que
caem
sem
o mínimo esforço
ao
ver o amor ser ilha
diante o imenso turbilhão
de águas de um umbigo
tão próprio
Eu
sou solo
seco
tendo marcas causadas
pela aridez
das
palavras proferidas
como um desmando
uma
insensatez e autoritarismo
marcado por boca
tão próxima
Eu
sou céu
adentro
sendo infinito onde crio o
incesto de palavras
entre o bem e o mal
guardadas por peito
tão inócuo
Eu sou pássaro
carrego
uma asa que bate na cadência
de uma pulsação vibrante
enquanto a outra segura
o ovo de todo um princípio
que mereceria viver
que mereceria viver
Eu sou o animal
aquieto
escondo o medo
e recrio na argúcia
consumindo fogo, tremo e esqueço
o cordão ceifado pela vida
sou meu corpo
vazio e oco
não como o mar
não como o solo
não como o céu
e sim o pássaro
e sim o ovo
e sim o animal
eu sou carne
eu suporto o soco
Adriane Lima
Arte by Robert Lange
Clamor
Desde a infância
visitamos as fábulas
para sonhar
os aforismos
para pensar
os contos
para recontar
as palavras
para simbolizar
as certezas
para duvidar
o apaixonado diz amor
o soldado diz paz
o jardineiro diz flor
a moça diz rapaz
o algoz diz dor
o doente diz saúde
o condenado diz liberdade
o velho diz juventude
o viajante diz saudade
o sonhador diz vitória
o bondoso diz caridade
o triste diz história
mas todos sabem
nesta réstia de momentos
que a vida é transitória
entre sorrisos e lamentos
Adriane Lima
Arte by Jolanda Richter
No sombrio átrio
Como escolher o branco que
alvejo
em detrimento a fome que
postergo
como escolher a paz que
fraquejo
em detrimento a dor que
surge
como escolher o preto que
escrevo
em detrimento a voz que
calo
como escolher o luto que
vocifera
em detrimento ao asco
transeunte
o incenso dos
absolvidos
paira no ar entre os
salmos
que desaprendi rezar
creio no destino
implacável
dos que já nasceram
mortos
Adriane Lima
Arte by Lucia Coghetto
Requiém da madrugada
De noite o galho arrancou
com intenso
cuidado
em terra
plantou
sugou orvalho, madrugou
tempo árido
visitou
o galho, esquecido
ficou
é da natureza da flor insistir
broto tímido
pariu
aos olhos do incrédulo
plantador
De quem nasceu o arrependimento
?
criador ou
criatura
na insistência do intento:
o mistério da vida é o
espanto
a lucidez é o inferno
Adriane Lima
Arte by Tollen H
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