sábado, 4 de fevereiro de 2012

Crônica : Estranhos Estrangeiros...



Sou um estrangeiro neste mundo.
Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa.Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.
Kalil Gibran
O que vem a ser ser um estrangeiro?
Ser o outro, o diferente,dentro de uma maioria igual.O unitário, entre situações múltiplas...
Não é fácil,ter visões que não são complacentes com a maioria e nessa hora é inevitável sentir-se diferente.
E dai, nasce a solidão, não a solidão dita de corpos,de contato e sim a solidão de alma.
Seria isso,se não fossem as descobertas,as dúvidas,os momentos vividos para saber quem é o estranho entre tantos iguais e desiguais ao mesmo tempo,dentro de nós.
Tudo o que nos constitui é uma troca,é uma vivência que devemos estar abertos a receber ou não. O que muitos de nós optamos por cahmar :escolhas.
E assim  podemos ou não,ser estrangeiros dentro de nós mesmos ou do que nos cerca.
Através do que passamos,somos espelhos do outro,quando nos conhecemos, nos damos oportunidades de aproximação e vivência.
Criar outros mundos e permitir-se ,estar pronto ao novo,a buscar um equilíbrio entre o que está contido e o que podemos conter.
Olhares, sabores,cheiros,lugares,formas,atitudes, para se achar entre novas situações.
Vivenciar é se permitir...
Me vi assim....mais estrangeiro em mim do que fora quando viajei a Lima ,capital do Peru.
Me fiz perguntas,vivi olhares,senti medos,escutei meus silêncios,inverti palavras,errei passos,mas me dispus a conhecer,a experimentar,a olhar o diferente.
Entre as pessoas,os sabores,os lugares,as músicas, as cores...delatei verdades guardadas em algum lugar em mim.
Cada dia era uma nova experiência dentro de meus pensamentos,uma saudade sentida,um olhar caleidoscópico sobre as novidades.
Olhei céus de outra cor, vi desertos onde pensei ter mares...provei sabores de frutas novas, falei outra lingua,vi pássaros livres em formações rochosas,eram milhares que mudavam a cor do céu...senti minh'alma voando entre todas essas visões e novamente me lembrei de Gibran: "Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma..."
Não me senti estrangeiro ali.
Me senti viajante de mim mesmo,ao me envolver ao " frisson" do novo...
E ai me lembrei de uma frase do Caio Fernado de Abreu que diz mais ou menos assim: Destino... isso pode nos soar como nome de perfume,de música,de jogos de cartas de tarôt ,menos de algo que a vida nos dá e que nem sempre acreditamos!!!
E era bem isso mesmo,pois a passagem para lá eu ganhei em um sorteio ,onde mais de quinhentas pessoas presentes,poderiam ser as contempladas.Mas,eu,eu fui a escolhida para viver aquilo.
Temos que permitir que a vida nos presenteie com aromas de destino entre os dias iguais, para que o mundo não seja somente o que temos ao alcance das mãos.
Então, entendi que muitas vezes a vida nos entrega a rotina porque nem sempre estamos preparados para o novo; para o destino...
Sei de pessoas que não se permitem provar novos sabores, a viajar por lugares distantes por medo.
Não provam alimentos diferentes e não se abrem para ver o ciclo da vida, as mudanças das estações,as fases da lua,das marés.
Querem o conforto do que já existe, mesmo que seja o gosto salgado de um choro,o cinza de uma tarde chuvosa,o ácido de uma fruta fora da estação.
Por que isso já está entre suas "cartas marcadas" e dentro da rotina dos dias.
Mas eu não deixei isso acontecer por sorte ou destino não estranhei ser estrangeiro.
Eu pus chuva em meus olhos em forma de emoção ao ver o inesperado,ao ver desertos soprarem areias mágicas em meus cabelos,respirei fundo em lugares que jamais irei esquecer, por mais diferentes de tudo que fossem aos meus pés de estrangeiro.
E então me pergunto hoje de que valem tantos caminhos abertos de não ousarmos traça-los.
Se muitas vezes nos tornamos cegos e surdos diante de tanta beleza que existe no mundo e toda essa imensidão.
Colhemos vaidades em forma de medos essa é a grande verdade.
Temos medos de conhecer olhares de mulheres, homens,jovens,velhos, animais,crianças que nos encaram e questionam o que habitam em nossos porões.
Por isso dizemos não as viagens que poderíamos fazer por ai.
E aqui cabe Pitágoras feito luva:" o homem é mortal por seus temores e imortal por seus desejos."
Somos desejosos do certo e temerosos ao que pode nascer de vozes internas, afugentamos o novo por defesa ,caimos em nosso próprio exílio,queimamos sonhos de cenários desconhecidos.
Quanto tempo perdido, quanta vida jogada fora...
Quantos homens estrangeiros de sí mesmo por frustrações ou  sonhos que não se permitiram viver.
Ainda bem que me permiti partir...e irei quantas vezes puder ser estrangeiro de mim mesma.
Quero ser a cada dia meu Ìcaro,voar alto, me queimar em sóis escaldantes...mas voar.
Quero ser sempre minha Joana D'arc , acreditar em minhas verdades, mesmo que isso me custe fogueiras (menos a da vaidade!! ).
Quero ser meu Fernando Pessoa, ter minhas loucuras,minhas mil faces e nunca fixar-me em portos de solidão.
Ser meu viajante meu estrangeiro...
Ser tocado por muitas almas.
Ser sempre encantamento onírico do que possa vir depois...
Adriane Lima

( Imagem : Robert Doesburg )

Silêncios Primaveris




Hoje ao acordar pensei
triste teto
só te olham
com olhares imóveis
dos dias cansados
em que se estica
a cabeça acima
e se suspira
sons de agonia
ou de nostalgia 

Me sinto assim
tépida e obscura
branca feito a lua
perdida num céu
em meio a tarde
nada me invade
silêncio total

-tudo ecoa ao natural
 

um velho blues toca
com voz rouca
de acordes tristes
palavras árticas
feitas de saudade 

Feito de esperas mornas
quase primaveris
como o céu azul
que está lá fora
aqui dentro gris
 

-a música toma conta

Olho o teto branco
de novo
e o vejo nuvem
de meus blues sentença
vou ao chão
me enchem
em profusão
sonoros pensamentos
 
um verso
um inverso
de branco e solidão
e meu universo
indo parar na sarjeta
 




Adriane  Lima


Arte by Alberto Pancorbo
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