sexta-feira, 30 de maio de 2014

Perímetro humano





Nunca foi tão bom
saber que todo verso
é o inverso e emociona
que no corpo um poema novo
renasce a cada desejo
em pura abstração
quase por castigo de amor
a carne estremece
se torna anacrônica
quase muda
mas que inspira
e ensaio frases
respiro os restos
invento desassossego
visto os segredos
dispo medos
marco em pele
tinjo em suores
inalo perfumes
guardo seu nome
amarro meu cabelo
não revelo teus rastros
e rio ao saber :
-que só minha lucidez te é sagrada
nossa epopeia ficará guardada
na caixa de memórias
das loucuras deslavadas
vontade entregue
a casualidades
hoje, ficarei alegre
de ter a alma ensanguentada










Adriane Lima







Arte by Himawan Dwi Prasetyo

Vazios interditos





Ser como a voz
que habita a cidade
ser como o silêncio
que habita em mim
 
sair como quem olha
o céu e percebe a
complexidade
 
misturar o que se sente
e mergulhar na frieza do dia
abstrair da natureza morta
não só nos objetos inanimados
 
as mãos vazias, peito apertado
a sujeira colada nos rejuntes
a velha história em vários ângulos
 
enxergar algum sentido
dentro de todos
se fragmentar e ser inteira
dentro desse vácuo
que me suga para dentro
 
- pertencer
- despertencer
e dar a coragem
um peso incalculável

 
desconstruir as dores
habitar os vãos
acordar a palavra esperança
 
ela está sempre habitada
pelos verbos
que adormeceram em mim

 

 

 



Adriane Lima







Arte by  Krassimir Kolev


Crônica : Retórica de um gato






O homem quer ser peixe e pássaro, a serpente quisera ter asas,o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta, a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca, mas o gato quer ser só gato
...E todo gato é gato do bigode ao rabo, do pressentimento à ratazana viva, da noite até os seus olhos de ouro.
                                             

                                    Pablo Neruda 





E ao ler essa Ode ao gato, pensei: - Que me desculpe Neruda,mas meu gato tem asas, tem escamas, o encantamento da lua,tem listras da zebra e olhos de uma deusa egípcia.
Acredito mesmo que seja feito de tantos seres especiais ,que seus dons vieram naturalmente através da seleção da espécie.
Li que os gatos têm o símbolo lunar ,como a deusa Isis,magnetismo que gera a vida para aqueles que o cercam, dando lhes iluminação psíquica e física.
E vejo que meu gato tem mesmo uma unicidade e o aprendizado de um ser que veio pronto,exageradamente pronto de um universo sideral e onírico, que eu desconhecia.
Vejo que tem "personas" tão visíveis em seus gestos que ele não pode ser só gato e também não pode ser algo comum do bigode ao rabo.
Meu gato tem um jeito da contemporaneidade do pintor Picasso pois,com suas unhas afiadas em minhas pernas e braços faz lindos traços geométricos e torno-me a própria mulher desfigurada.
Tem também um certo requinte de Dior,remodelando minhas roupas cheias de laços e tiras penduradas,com uma habilidade incrível,transformando-as,atualizando-as.
Ah, meu gato entende também de arquitetura e vejo um pouco de Gaudi em sua arte, ergue blocos de madeira,entra em caixas,separa botões que vê pelo chão de meu ateliê.
Vive se lambuzando de tintas de minhas paletas que encontra pela mesa, alternando cores e combinações.
Tem também seu instinto preservado,corre atrás de besouros,borboletas que voam pela casa a dentro.
Não perde de vista nada que balança pelo ar,deve ter herdado isso de Santos Dumont,o sonhador que amava olhar para o céu imaginando aviões.
Com ele, aprendi umas noções de Yoga ,quando está sentado, se lambendo ,se esticando,se dobrando para alcançar lugares distantes através do contorcionismo.
Sem contar seu ar egípcio,quando adota a posição de Queóps, frente a janela. Não há nada que me tire da ideia que ele está a anos luz daqui.
Sua imponência e ar enigmático deve ter mesmo inspirado as pirâmides. Acredito ser essa a razão de ser considerado um ser sagrado e ser adorado pelos antigos faraós.
E pensar que cresci ouvindo : - Gatos ,são seres que não gostam de humanos,que não se deixam cativar.
Que grande tolice! Meu gato é minha sombra,e me faz tantas vezes tropeçar nele em uma competição de quem desce as escadas primeiro por pura diversão.
Por seus miados sei que está com fome ou se a "caixa de areia" está suja,sim... ele sabe ser autolimpante !!
Onde estou ele está e não gosta de ficar sozinho.
Já conhece meus horários, onde me deito para ler,e também para digitar. Garanto que logo estará digitando de tanto me observar.
Quando fecho o teclado, sai correndo para meu quarto, sabe ser a hora de irmos deitar.
Dorme em minha cabeça e nessa hora, sinto toda sua ternura, vem a tal "ronrronância" que já apelidei de "motor da felicidade",pois, quando ele está em harmonia comigo, trata logo de ligar essa máquina interna que só os gatos possuem.
Seus olhos imensos,não perdem nada do se passa ao redor e quando começo a escrever ,muitas vezes fica difícil,são pelo menos umas dez patadas na caneta e uns seis pulos pelo caderno.
Sem contar que minhas mãos são sempre seus brinquedos favoritos.
Claro que tudo isso, não passam de teorias, que venho imaginando, ao observar esse felino pelo qual me apaixonei.
Sabe Neruda, de você conheço os poemas e sua história, mas,acho que você não conheceu de perto essa espécie de felino.Quero lhe contar por que dei ao meu gato,o nome de outro poeta e não o seu. Acontece que houve um desconcerto,quando li esse seu poema e não consegui concordar com você! ".
Meu gato não é só gato da cabeça ao rabo... como você escreveu!!
Por isso, não o chamei de Neruda, porque quando o ganhei, era essa a minha intenção!!
Mas, confesso que mudei !!! - aqui,brinco com o título de seu livro : Confesso que vivi !!!
Dei-lhe o nome de Leminski, um poeta que vivia à beira das explosões poéticas vanguardistas , assim como meu gato que vive(em arroubos)como se fosse vários seres, em um só.
Mas,há um porém ,que gostará de saber:ele também tem Paulo no nome,como você! Isso quer dizer,que continuo admirando-o muito,apesar do Desconcerto!
Paulo ou Pablo ,meu gato é um poema ambulante ,um amor animal-humano que estou aprendendo a transcrever !!!!
Brindaremos agora ,com um belo vinho chileno, a toda sua obra maravilhosa, eu e meu gato com nome de poeta,porque bem sabemos que poesia é ofício !!!!


 




Adriane Lima






Arte by Tatiana Deriy

terça-feira, 27 de maio de 2014

Imunes acrobatas





Chegava como quem já ia
algo liso como seda pura
gélida falácia entre nós
e de pureza nada havia

era a trama de seus olhos
que me dava voz
e me alimentava de ternura
 

esse princípio inundava tudo

minhas mãos procuravam o cerne
aos poucos tocavam
o império de seu corpo
havia algo de risco e de asa
como havia inocência e casa

a plena noção do todo
me prendia a essa diáfana vontade
do calor de seu hálito
embevecido de sofismas
pregavam silêncios entre bocas
e nossas pernas estacionárias

parados, éramos restos de florestas
cada qual com suas estações
no tempo, éramos relevos, planícies
cada qual com seus trajetos

deslizávamos entre a origem
dos interesses de homens e bichos
feitos de aromas de cio

esquecíamos que os deuses
não nos ofertariam hipóteses

fomos sempre :
instintos súbitos

sussurros sólidos
quase imperceptíveis
imensamente gritantes

mergulhados por sonhos passageiros
percorremos a sede louca
vestida em adiamentos

e no calor dos corpos amáveis
diante a paradoxal beleza
fazíamos um preâmbulo
de tudo que fora vivido

eternizamos o odor
do animal perdido
mas amansado
por genealogia e endereços












Adriane Lima






Arte by Lucia Coghetto 

Um princípio de asas




Hoje acordei de alma cansada
das lembranças empoeiradas
toda relíquia dos bons tempos
refletida em espelho fosco

o vento gélido sobre a face
fazia-me saber que vivia
dei uma volta e meia
na chave e o estampido
do familiar me conduzia
ao novo do dia

aos passos sentia
que deixava para trás
tanta gente mobília
tanta gente decorativa
ocupando épocas
de minha vida

e que nesse novo tempo
já não me teriam
apreço ou serventia

hoje, meu coração
caminhava exilado
não queria lar,nem chão

queria olhar atravessado
todos os olhos cruzados
pelos trajetos das ruas

saber que de memória palpável
ficará somente o que minh'alma
acreditou ser humano
sem coação ou engano

 




Adriane Lima





Arte by Barbara Bezina 

domingo, 25 de maio de 2014

Pós tudo

 
 
 
Tanta palavra é nada
tanto silêncio é tudo
o pouco que resta sentir
absorve as imagens da alma
viver as dentadas
hoje morrer é fruto proibido
 
 
 
 
 
 
 
 
Adriane Lima
 
 
 
 
 
Arte by  Claudio Sacchi
 
 

Malabares poéticos




Fomos instantes
cheios de sílabas quebradas
fomos estantes
cheios de palavras trabalhadas
fomos estanques

cheios de desigualdades de gênero
sobre tua prosódia, eu não conto








Adriane Lima








Arte by Sophie Wilkins

Aquário volátil


 
 
 
Meus pés pensamentos
afundam-se em águas cristalinas
caixa repleta de silêncios e desdouros 
 
 
 
 
Adriane Lima
 
 
 
 
 
Arte by Marcela Bolivar 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A invariável definição




O poeta equilibra-se entre
a fantasia das sensações
e as empíricas percepções
sai da dor escondida
analgesia aferida

a contingencia da vida
a essência da mente
do ato espontâneo
da ordem e do caos
que transcende as palavras

o homem, transmuta-se
ao corpo, essa máquina perfeita
absorve, envolve,
compele, expele
e sente...sente
contrai e se expande
no tempo e no espaço

ali ,na anatomia
o que chamam coração
por pura sensação
denominaram que mora o amor

e alojaram como fossem objetos
os sonhos,os afetos
as dores e o dissabores
na ardência da paixão

tracejando linhas românticas
enfeitadas ,coroadas
onde grita o que se cala
por um mero referencial

coração...
esse é o órgão do anseio
do homem e do poeta
descrevendo a insatisfação

a auto superação
é acordar o homem
adormecer o poeta
por pura inadequação

passando por todos os sentidos,
o órgão, então oprimido
perde a localização

amor é transcendental
assim como a poesia

e conhecer a anatomia
não nos dá automatismo
além de um grave cinismo
de pôr um pedaço de carne
entre as mãos
dando-lhe o nome : razão


 


Adriane Lima





Arte by Joe Boe Paulsen 

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Entre um mundo sereno




A liberdade estava no céu
um azul infinito e dorido
por vestir-se de uma
bondade onipotente
que não me via

meus passos estavam na terra
e o peso de cada curva
se perdia em meu caminho
as escolhas me diziam
as escolhas...

e o céu e a terra
eram meu espelho
naquela manhã
mas, o silêncio me visitava
embora ousasse me questionar

qual escolha ?
a minha, a sua
ou do destino

porque questionar
aos céus e não ao íntimo

por uma fração de segundos
respirei tão fundo
que me bastei
em intensidade

eu nunca soube
de verdade o que queria
eu sempre desejei o sublime
contido no absurdo

 





Adriane Lima





Arte by Alex Alemany 

Entre o peso e a leveza







Será que eu seria feliz com ele
que me deseja tanto?

será que eu seria feliz com ele
que me imagina tanto?

será que eu seria feliz com ele
que me usa tanto?

será que eu seria feliz com ele
que me endeusa tanto?

será que eu seria feliz com ele
que me promete tanto?

será que eu seria feliz com ele
que eu sonhei tanto
desejei tanto
maltratei tanto
fugi tanto
e no entanto

vivo procurando-o
em tantos outros ELE ...

 




Adriane Lima





Arte by Igor Morski 

domingo, 18 de maio de 2014

Leitura íntima





Há uma falta de medo
refugiada no abstrato
uma compreensão sangrada
de saber-se doída
 
há um desejo torpe
de ser amansado
entre a lacuna do visível
e do escuro inventado
 
há um eco silencioso
ante a fome saciada
do alimento entregue
ao predador voraz
e suas jogadas
 
há uma explícita escolha
ao perigo sutil em duelar
o que ataca pacientemente
no vazio de toda estrada
 
há um misto de medo e anseio
que desvela todo desejo
um grão ameaçador
que lambe a pele
ao invés de rasga-la
 
o mais difícil é não entender
a imagem que se forma
como quem enxerga somente a frase
tendo em mãos a leitura
das palavras incontidas








Adriane Lima







Arte by  Fabian Perez

Poema de aniversário





navegar é preciso
viver é impreciso,
é imperativo
dolorido ou colorido
uns são navegadores de Restelo
outras, Polianas por opção,
ambos iludidos
não encontraram a essência
dos seres alados,
de asa oculta
e sonhos avantajados,
de amores risíveis
e risos desbragados,
de beleza tangível
e olhar apaixonado...
eu conheço um único ser
de tamanho encantamento
e enluamento e envolvimento:
você! 











( Poema que ganhei de aniversário de meu amigo poeta  Carlos Moraes ) 





Arte by Josephine Wall 

Soneto para um gato





O gato de Adriane Lima Leminski se chama
Tem nome de poeta , e assim tinha que ser
Afinal , tendo como dona poeta de grande flama
Natural que em seu nome poesia tinha que ter

Eu preferia um gato Drummond , mas é preferência
Coisas de gosto , e gosto não se discute , se respeita
Assim como tenho a Dri como minha grande referência
De fantástica poeta e amiga - querida e insuspeita

Mas sei que o Leminski é muito querido e privilegiado
Por ser o gato de Adriane , poeta maior do sentimento
Que tanto alegra a mim , pobre poeta triste e cansado

Mas nossa admiração mútua é só alegria sem lamento
Felino carinho pela poesia nascido , crescido e moldado
Amiga poeta , nós sempre juntos em felicidade ou sofrimento

 

 ( Soneto feito para meu gato,presente de meu amigo poeta )


Bruno Junger Mafra

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Anatomia das asas






Acordei no tempo
dos homens de carne
andando por ossos
de ofício e faces

andei pelas ruas
de almas sufocadas
apressadas em seu passos
afeiçoadas a si mesmas

assistia a vida ao redor
e com minha alma
cantava baixinho
o expressivo
que me doía

senti na carne
o que já estava
enterrado no jardim
embora me embebedasse
por olhos famintos
e sem segredos

um lapso de pensamento
uma voz ecoando
enquanto sorvia o ar
sabia-me oferenda
e aceitava sê-la

caminhante tenaz
olhando a própria sombra
contando as pedras
soltas nas calçadas

o aroma fresco da manhã
uma lua colocada
em pleno dia
sabia-me lamento e dor

só meu corpo
ainda estava ali
associei a ele
as pedras soltas e
algumas flores dadas
ao meu olhar por cortesia

pouco adiantava
procurar um significado
sede e saciedade
entre homens
e suas querências

de nada valia a fome
que assolava a minha alma
já nem sei se me restava algo

além dos olhos
e suas tão distintas preces









Adriane Lima





Arte by  Karol Back

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Entre cantigas de ninar


 
 
Efemeridade pétrea
sob terna postura
entre o ponto cego
mantém-se segura
seus olhos de lince
entendem a excêntrica
vastidão humana
mãe, eterna vazante
seus olhos de maresia
dedica aos filhos poemas
os óvulos de sua resistência atávica
levando o perfume das letras in vitro 
 
 
 
 
 
 
 
Adriane Lima
 
 
 
 
 
 
 
Arte by  Pierre Mornet
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