quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Conto : "Uma luz na solidão".





"Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez. Um limite insuportável. Você compreende, compreende, e compreende cada vez mais, e o que você vai compreendendo é cada vez mais aterrorizante - então você "pira". Para não ter que lidar com o horror."
Caio F. de Abreu


E foi realmente pensando nisso que ela se levantou naquele dia,corpo dolorido,brancura intensa em seus dias, fazia dois meses que não ligava para as necessidades que seu corpo lhe pedia ,comer bem, dormir bem...
Não comia,passava os dias a café,bolachas, e chocolates...ah, os chocolates..o único doce que sentia na boca...
Misturado ao amargor de sua solidão.
Mas, hoje ao se levantar começou a chorar,poderia parecer insensato,mas era um choro intenso,era a dor do vazio no qual estava contida, um vazio de grito abafado, como se ela olhasse aquelas paredes da sala onde acordara e elas fossem sua prisão.
Ao olhar para aquelas paredes,ela se deparou com tudo que estava dentro dela,a própria sala, os móveis,os objetos decorativos , tudo ali era a sua cara, fizera essa casa onde morava  ser parecida com ela em todos detalhes.
Plantou cada flor de seu quintal, cada vaso de seu jardim.
E os regava impiedosamente...todos os dias!!
O silêncio pairava no ar e seu olhar era sobre os objetos de decoração da sala.
Foram todos escolhidos por ela, um a um, porque naquela época queria achar uma identidade após a separação.
Saiu do seu casamento sem levar nada,quis se renovar.Deixar para trás tudo que já havia vivido.
Mas, hoje ao olhar tudo aquilo veio a dor, a dor de ver que já haviam se passado cinco anos desde o dia que mudou-se para aquela casa e que não havia mudado nada,assim como os móveis, a cor das paredes,os aparelhos eletrônicos, os quadros ...nada...
Se viu em cada detalhe ali envelhecido,desbotados, as flores mortas no quintal,a grama alta , o sino do vento retorcido e cheio de pó.
Tudo numa estatização absoluta, assim como ficou sua vida.
Tudo parou no tempo,claro que nesse tempo ela viveu, teve alegrias, amores,festas, amigos,um filho,trabalho que nessa época estava perfeito e preenchendo os seus dias.
Ela se viu lutando após uma separação que lhe custou muito sofrimento e perdas,achando que naquele mergulho que deu em seu sofrimento ,finalmente iria emergir,iria poder sentir as asas batendo de acordo com seus sonhos.
Mas,errou, e errou feio,não sabia se, porque foi deixando muito a vida lhe levar, porque confiava plenamente nela, (na vida).
Porque sempre tudo pelo qual ela lutava ela conseguia,realmente ela teve tudo que sonhou,teve os homens que quis,teve os amigos que escolheu, esteve nas cidades que planejou,ouviu todos as músicas ,mesmo aquelas que só depois de um tempo viriam a fazer sucesso, já as ouvia,engraçado acho que ela sempre foi um pouco contemporânea a tudo...os sensíveis sempre sofrem mais,pensava!!!
Talvez sabendo disso entendeu melhor porque os amigos brincavam e a chamavam de Isadora Duncan,ela lembrava mesmo da frase dessa mulher inovadora e livre: Prefiro viver de pão preto e vodka e sentir-me livre, a gozar as delícias da vida americana sabendo-me prisioneira.sim, isso era bem o jeito dela, sempre fôra feminista, inovadora e nunca permitiu que lhes cortassem as asas, nunca deixou de realizar uma vontade, excesso de mimos e rebeldia misturados, essa era sua grande certeza.
Sua mãe sempre falava que desde pequenina era inquieta e questionadora além de sempre pensar demais e inventar histórias.
Não havia mudado, só o tempo mudou. E nas longas  conversas que tinha consigo, não parava muito para ouvir as próprias respostas, devia ser o medo de saber que não gostaria mesmo de sabe-las.
Sabia que havia errado em muita coisa esse tempo todo, mas não conseguira achar o foco dos erros e ao pensar nisso, lembrou que quando era criança brincava de esticar as fitas cassetes e ia puxando o rolo para fora, chegava uma hora que dava trabalho, ele se retorcia, virava,amassava, nunca mais entrava igual.
Comparou sua vida a esse gesto, havia  puxado esse fio e não consiguia mais guarda-lo, sem que ele se inverte-se do lado que é o certo.
Bom,mas alguém poderia ao menos lhe indicar se haveria um lado que é o certo aqui nessa vida?!
 E assim seguiram suas indagações;lembrou de quando lhe perguntavam, porque se separou, ao que ela ria achando aquela uma bela pergunta,não sabendo ao certo responder, se foi por excesso de tentativas de ser feliz, de querer ter alguém mais parecido ao lado, ou se por falta de maturidade e tolerância mesmo.
Se fosse mais madura,menos sonhadora, mais "asinhas podadas" estaria lá até hoje.
Como muitas amigas que assim estavam, engolindo sapos, sofrendo em relações falidas, tendo casos extraconjugais, mas felizes,andando em carros importados, preservando a familia e os "bons costumes",ao menos na mesa de jantar!!!
 Mas, ela...ela não; ela sempre afirmava: sou perecível; não quero me estragar , me contaminar de escolhas alheias.
 Eu sempre escolhi por mim,certa ou errada ,eu escolhi,sempre falava.
 E ai voltava as suas aflições, ela gostaria mesmo de saber onde havia perdido o entusiasmo pelos dias, onde perdeu aquela  mulher sonhadora e incansável,a que todos queriam ao lado, que tinha amigos de tantas turmas diferentes que se quizesse não ficava um dia sozinha em casa.
O que era mais doloroso era isto, a perda do entusiasmo,a perda dos dias, uma olhar de quem sempre amou sair em seu quintal ,olhar o céu azul,admirar o jardim,as flores,os pássaros em voo,acariciar seu cachorro,essa não existia mais.
Era esse grito que ela tinha preso na garganta!!!
Meu Deus,...ela ainda ousava falar em Deus.
Mesmo acreditando em Deus,duvidava de sua fé,não tinha em sí sulcada forças para acreditar em mudanças, "aquela tão famosa luz no fim do túnel"... queria ter, mas, não tinha mais.
Ela sabia que não tinha mais a valentia para ser feliz!
Para puxar algo uterino,algo com gosto de renascimento e vida de dentro de sí.
Havia  desistido...ela desistiu de sí, logo ela, aquela que encontrava palavras para qualquer um que a procurasse, não encontrava uma frase que a salvasse da angústia que  lhe movimentava os dias.
Já tinha se reinventado muitas vezes, mas confessava agora nesse choro que estava cansada.
Cansada das escolhas que fez, cansada de errar,cansada de ser sozinha,cansada de ser vista de uma forma que não era,cansada de ser a mulher forte e lutadora,cansada mais ainda de ser frágil e chorar.
Isso é o que mais a incomodava ,o choro, sabia que controlava os outros sentimentos de ausências, de carências, vontades...mas, sobre seu choro não tinha o menor domínio e isso era muito ruim, sentia-se fraca.
Porque parecia ser  infantil,havia uma criancinha lá dentro dela  pedindo colo e carinho, enquanto uma mulher vivia do lado de fora.
Só a arte lhe dava paz,conforto, quando escrevia se libertava das palavras e muitas vezes passava os dias assim, sentindo-se depois mais leve.
As horas passavam,e assim os dias seguiam mais rápido, dentro desse calendário que não fazia a menor questão de prolongar, pensava ela.
Apenas ia vivendo.Mas quando escrevia  vivia com a poesia, suas intensidades.
Parecia que nessa hora era mesmo a antiga, a que lhe habitava, que era leve,e que ela ainda existia e que a qualquer hora poderia fazer a outra brotar de novo. 
Essa dualidade entre tristeza e alegria tinham lá seus pesos ,um segredo que foi desvendando e foi aprendendo a conhecer.
 Sabia bem da lucidez que a acompanhava e ria ao lembrar daquela frase: ás vezes a ignorância é mais saudável, pois se não soubesse de tudo isso talvez sofresse menos.
Porque na verdade há anos ela vinha sofrendo por antecipação, ja previa as coisas,nada a surpreendia mais,e por isso deixava de ver graça nas coisas,é como se aquela parede em branco fosse ser sempre branca, como se o sofá fosse sempre estar lá a espera...dele.
Perdeu tantas coisas sem surpresas, perdeu até o que nem era seu.
Ela, que nada quis,que abriu mão de tanta coisa,perdeu...perdeu,como um jogador que estando na frente do gol e se apavorando, saiu correndo com a bola na mão e todos gritando mas ele não pôde ouvir,só correu...correu , assim que se sentia ... correndo com o objeto errado e para o lado errado.
Achando que a vida foi esse eterno correr ,tendo em seus braços sua alegria de viver contrária ao rio, por isso se encontrava hoje sem forças.
 Se via mesmo fazendo parte da decoração imutável daquela sala onde começaram suas indagações e choros.
 Lembrou aquela hora de uma  frase que uma pessoa humilde,que trabalhou na casa de seus pais por anos, ao se despedir dela perguntou quando a abraçou : - será que um dia a gente se vê?
 Eis que a empregada lhe respondeu: até as pedras de um rio se encontram um dia...
 E foi então seguindo esse rio até hoje em busca das pedras que perderam-se pelo caminho.Nunca mais se esqueceu desse dia.
 Isso não é uma meia verdade,é uma grande verdade,pode demorar o tempo que for,mas um dia iremos ao encontro de tudo que já nos pertenceu.
Filhos crescem ,partem mais um dia sempre voltam para o colo daqueles que eles sabem que os amam mais que tudo nesse mundo.
Amigos vão ter sua vida,mas sempre sabem voltar,pode demorar mas, se fazem presentes.
Dizem que até um cão pode passar anos longe da própria casa que através do cheiro consegue voltar, não deve ser tão dificil me reencontrar, dolorosamente pensava ela.
O tempo,o vento eternizando tudo,aos poucos fazia sua aflição diminuir.
Ela já tinha algumas respostas para achar sua casa interna, achar seu prumo, seu rumo, seu eu...
Ou então entender que na verdade estava envelhecendo, e tudo não passava de lembranças,que tudo precisava seguir assim, a casa estava mesmo vazia, assim como o seu  coração.
E solidão dói profundamente em qualquer um...
  

Adriane Lima
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