sábado, 17 de setembro de 2016

Horas de uma vida


Me pergunto porque guardei
aquele velho vídeo cassete 
com seus filmes antigos
aquela imensa Tv de tubo 
que já não funcionava mais
aquele cobertor de minha avó, tão encardido
aquela vitrola que não tem agulha 
e meus discos preferidos
aquele velho balde cheio de rolhas 
dos vinhos bebidos
aquela blusa com seu perfume já esquecido
aquela estante cheia de livros infantis
aquele quadro que fazia parte da mobília
aquela velha mesa de família dos almoços 
cheios de risos
aquela flor de plástico coberta 
com a poeira do tempo
aquele bicho de pelúcia já costurado
aquela armação de óculos enferrujada
aquela jaqueta de couro embolorada
aquele jogo de cristal, mais frágil que minhas lembranças
Aquela vontade de acreditar que sempre guardarei a minha, a sua e as nossas esperanças
Tudo tão nostálgico e cheio de uma vida inteira
Um passado que está vivo em mim, mesmo que eu não queira.
São tempos líquidos, me dirão, onde não se retém nada, nem amor, nem solidão, nem pistas do que fomos.
Tudo escorre, tudo morre nos rostos dos retratos.
Nada é exato.
Nas areias de minha casa residem histórias, cacos tão meus, tão vãos.
Quem construiu aquela teia que não estava ali ontem, nem anteontem que no presente acabei de desconstruir.
Tudo sucumbe a sua forma e vira apenas:
memória.







Adriane Lima






Arte by Olga Noes


Olhos de arder


Hoje está tudo 
tão pontual
ou será o silêncio
que me faz companhia
e me deixa perceber
as minúcias do dia

O apito do trem
alavancando as horas
no grito
as badaladas do sino
mostrando que é dia
de missa

O ocaso se mostra 
tão lindo
trazendo cores que nem
sei descrever os nomes

A música que fez "replay"
pelo menos três vezes
pela preguiça de meu levantar

Os pássaros que lá fora
se aquietam nos ninhos
e meu cão que espera 
para ser recolhido

Hoje tudo está tão pontual
e nada mais solitário
que minha própria sombra



Adriane Lima





Arte by Cynthia Lund Torroli


Redenção dos dias


Cai a tarde
cai o silêncio, a máscara
a casca, a pétala, a flor

Cai a tarde
cai o sol, a lágrima
a folha, a pele, o tempo

Cai tudo que é belo
é essa angústia
do meu verso 






Adriane Lima






Arte by Olga Noes

O moço dos sonhos


Quando em noites solitárias
eu te procuro
e me vens tão pronto
a se doar

Trazes contigo a música 
de minha infância, o cheiro
do fogão de minha avó

É tanta ternura que encontro
em tuas mãos e olhos 
que me desvendam sem medo
tanta meninice nos risos

Pausados entre lembranças
retomando o bem que havia em mim
e que já andava tão esquecido

Você tem sido a alegria tardia
os brinquedos reminiscentes
os jogos de peças perdidas
que estavam empoeirados 
em minha memória

Tem sido os dias de acolhimento
onde vejo em mim
a maturidade acrescida de Deus
argumentando minha história





Adriane Lima






Arte by Omar Obisnki

Pássaro de meu silêncio


E na madrugada
do nada, me visita um poema
um silêncio que grita
onde nada é nada
e a palavra é tudo

Na madrugada
do nada, me visita um amigo
uma voz que me chama
onde tudo é tudo
e a palavra é nada

Só eu, ele e a madrugada
sabemos conversar






Adriane Lima




Arte by Fithi Abraham


A flor do jazz-me


A ela não servia ser a Dama das Camélias
moça flor, resplandecendo sua essência
entre tantas explosões pelo caminho
não foi como Rosa de Hiroshima
nascida de extrema delicadeza

Retirava de si mesma

todo aroma de pétalas
que atirava pelos sete ventos

Um ar de concha, de mar, de sangrar

tão ávido esforço de renascer 
a cada golpe, em mínimos intervalos

Não viu estrelas, não viu bordados

pisava a relva orvalhada dos sonhos
por puro encantamento
aos gestos ensaiados entre seus dias

Apenas ela, tão só, sempre a espera

de chão e casa, de cama e jardim
em cada canto um silêncio
quebrado por um romper de passarinhos

Tempo sem fim, pesado entre o 

presente e o passado 
em dias de voos e menos pausas



Adriane Lima





Arte by Luiz Miguel Rodriguez 



Nuvens do tempo


Minha loucura
tão diferente da tua
andam de mãos dadas
junto ao caos dos dias
buscam equilibrar-se
dentro dos sentimentos
viventes em cada um

Mesmo que minhas lágrimas

formem o rio de tua ilha
nunca estaremos presos
entre silêncios inconfessáveis
pórticos vazios, paisagens

Nossas loucuras são sedes infinitas

de portas abertas, para o pulsar da vida
o que nos arde, lateja
e nossos olhos chamam de paz





Adriane Lima






Arte by Aaron Jasinski



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