segunda-feira, 24 de julho de 2017

Adentro in pele



Acordada
encho meu corpo de tatuagens
ao sonhar
me vejo sempre nua

hieróglifos antigos
não decifrados





Adriane Lima







Arte by Tony Rubino 

A melancolia veste azul



Com as mãos cheias de estrelas
o gesto em conchas 
guardo o brilho, que só eu vejo
fixo o olhar em suas cicatrizes
salpicadas de luz e escuridão

entre o que meu olhar capta
há um imenso monte de areia
que imagino o Olimpo de um deus grego
cujo vento plastificou o rosto e os cabelos
paralisando a imagem em meu peito humano

no fundo eu sei
que é você, que enterro
a vida torna-se apenas silêncio
meu suspiro abafado é golpe de ar
um lastro de melancolia e riso

são tantas dores cristalizadas na alma
voos eufóricos que morrem no asfalto
tudo agora é incerto
e quando o pôr do sol
vem me visitar, nunca sei
se é apenas uma cena de filme de amor




Adriane Lima



Arte by Wayne Pruse 

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Em defesa própria



Um dia idealizei teu corpo
animal que pensei voraz
e era extinto

real em solidão inaudita
suas palavras sórdidas
viraram feridas

Quem é você hoje?
visível repetição de gestos
herdeiro de dores
vestígios de olhares
que se fazem novos

mobílias presas,
em suas ilhas
músicas dedicadas
em meio à leituras,
que inventavas
em plena insônia

eu rio bem alto
das evidências
os buracos no peito
ressoam avessos
a toda engrenagem

e minha melhor escolha, 
foi a de colocar um cadáver
em seu lugar







Adriane Lima













Art by Alisson Hill

terça-feira, 11 de julho de 2017

Águas e memórias




Quando o amor chegar
estarei longe
e meus olhos estarão no mar
úmidos, ondulantes,
recuando nas areias
do pensamento

o amor só entende
a mágica linguagem
da coragem
ruínas, ossos, voragens

e eu
de desfechos

quando o amor chegar
já não me fará surpresas
seus gestos não serão puros
seus braços apagarão estrelas
desviadas do olhar

as palavras-peles
estratégias que não sei
me esquivar

sobre as águas, memórias
flutuantes, o ir e vir
e o ficar, condensadas
em tempo artificial

quando o amor chegar
estarei morta
ele será a centelha do universo
e eu finalmente, 

livre da espera de amar










Adriane Lima




Art by Galya Bukova

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Inocentes ou culpados



Chegará um tempo
que tudo o que vivemos
palavras que dissemos
deverão ser esquecidas
elas não serão mais nada
além de sonhos e desatinos
numa tentativa indisfarçável
de reter o que não mais abrirá caminhos

não diminuirá distâncias,nem
parcas e velhas lembranças
ou sonhos brotados entre meras ilusões

chegará um ponto
que nada mais fará sentido
além da máscara colada a pele
entalhada no brilho do medo
ou da decepção

um dia sentaremos na sarjeta
olharemos estrelas mortas
brindando o que sabíamos
ser só desejo

abrindo os abismos da alma
com a suavidade da voz
do grito contido
pela palavra que nunca foi dita

e que nunca saberemos onde foi parar
















Adriane Lima







Art by Aykut 
Aydogdu

A brevidade das verdades



Existe o espaço contemplativo
que desaprendi a deter
onde flores vistosas
perdem a cor, secam
em um tempo feito para morrer

Não poderia ser diferente
a visão dos dias idos
deixam apenas resistência
a minha interna vã filosofia

Tantas coisas simples morrem
em mim, e não há nada que
se possa fazer

areia em meus olhos
pesar em meu peito sempre desprotegido

Sussurro uma canção que gosto
para esvaziar o pensamento
algum vazio atinge os ossos
por essa eterna mania
de viver perdoando os fracos








Adriane Lima








Art by 
Aykut-Aydogdu

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Fria constatação



Depois daquele amor
que um dia
só me deixou feridas


sou livro raro
sou página que nunca
será lida






Adriane Lima






Art by Escha van en Bogerd

O risco das palavras



Nas frestas das manhãs
colho os dias sem sentido
labirinto esse, que sigo
para encontrar saídas
vivendo mortes diárias
uma vida sedentária
de se estar sempre perdida

estrangeira de meu útero
não sou a de outrora
aqui dentro ou fora
a imagem no espelho
me devolve todo dia
o que internamente já sabia

tempo de fragilidades
riscos na pele, suturas
alma enternecida
sem roteiros previsíveis
sem poder saciar a fome
das verdades que gritaria

é um tempo, dentro do tempo
um dia depois de outro
em uma manhã depois da outra

e a rosa de meus dias
sucumbe em poesias 









Adriane Lima




Art by A
ykut Aydogdu

Das inúmeras razões



Nunca me salvo de mim mesma
aprendi a morrer todos os dias
afogada, decapitada, pisoteada

morro com as vísceras arrancadas
sob o olhar sádico dos que me cercam
sou a única que habita minha solidão

permito degolar-me para o silêncio
ser minha eterna aliada
diante dos lobos e homens lobotomizados

brindo com eles o mais puro vinho dos deuses
em grandes goles desse rito diário
que é ver a morte aconchegar-me

nos braços amantes e amigos
de quem já matei bem antes
em cada manhã distante






















Adriane Lima









Art by Juan Medina

Desmedidas



Tudo cabe em um poema
os olhos que nada enxergam
as mãos que nada seguram
os pés paralisados
as dores inexistentes
tudo cabe em um corpo
que nada sabe
que nada sente
então para a poesia resta a alma
essa que roubam
E nunca devolvem 



Adriane Lima










Art by Angel Ynanov

Sobre a pele da alma



O dia se abre em asas
forma de um livro
que leio
pela noite que vagueio
da insônia em companhia
o dia chega e se abre
pétala por pétala
vida que me veste
em casulo solidão
voar é assonância da alma
que a poesia me deu
e sinto que do eu
só resta o que doeu

















Adriane Lima



Arte by Rob Hefferan
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