segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O solo ácido das lembranças



A cada manhã que nasce
procuro-me desesperadamente
desapareci lentamente

pedaços soltos no caminho
de tudo que fui e
sei perfeitamente
onde morri mil vezes

renasci teimosa
querendo num suspiro
tudo mudar
das pequenas coisas
ao mais interno mar

dores, pó, silêncio
contemplação, sonhos e
acima de tudo ilusões

plantei e colhi tão pouco
tudo em comum acordo
por sempre escolher
semear a paz em meio as guerras

busquei mãos no alto do abismo
o que sou em mim não há explicação
há um grito preso na garganta
de ter escoado minhas certezas

ingenuidade mergulhada em epifanias
do que há no peito entre as mágoas
que são de minha natureza













Adriane Lima













Arte by Alessandro Della Pietra 

Anáfora de mim



Caminho por esquinas
que não são mais minhas
fôlego roubado de antigas
inquietações que julgava
conhecer tão bem

dores novas em
velhas rotinas
bares, falsos abraços,
torpes amores, ilusões

A casa não é minha
já não habito um coração
aquele amor que foi vivido
escorrido ralo abaixo

sentimentos a perdoar
dentro de mim
aceitar o tempo a matar

queria dizer que é só cansaço
dizer coisas que logo passam
ter a certeza de verdade
diante desses dias tristes

morte anunciada nesse silêncio
enquanto sei que a quarteirões daqui
dançam carnaval em um botequim

é dor de futuro
que recai sobre mim










Adriane Lima
















Arte by Michael Creese 

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Imagens do tempo



Mantenho o milagre
como se um anjo
coroado por pétalas
recebesse as lufadas
da alma do amor

Como se a entrega
fosse um lastro
céu e terra girando unos
reinventando o encontro

Deuses feridos molham
o altar das palavras
com o sêmen da vida
in vino veritas
onde nada existe

Há um peito calado
que a tudo resiste
emoção de poder
ser barco e não saber nadar










Adriane Lima













Arte by Jeremy Mann

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O medo da luz



Faminta era tua boca
de lobo enjaulado
salivava desejo
em busca de carne

Entre frestas do dia
pousava uma borboleta
em tuas dores conhecidas

Dividindo assim
o caos humano de cada um
a réstia do gozo imantado
de um incômodo passado
 
As palavras eram elos
colorífica aceitação
por estarem perdidos
num mundo habitado
por cães adestrados

Era a certeza de não pertencer
a esse mundo, além da poesia
de pertencerem 
a natureza de todas as coisas




Adriane Lima









Arte by Michael Creese

O que pulsa além dos olhos




Meu peito mistura amores
nele tudo cabe
amores que amei, os que julguei amar
e então acreditei, tudo abarcar

remanso mar transparente
que com o corpo abracei
o que a mente aceitou
sentimentalizar

destino dado a solidão
amor nascido de palavras
associação de verbos intermináveis
imperativa forma de se doar

meu amor crescia nas folhagens
nas encostas e carpadas
na aspereza e no medo

na neblina onde as cegas caminhava
desejando o reflexo
onde a carne já faltava





Adriane Lima






Arte by Loui Jover

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Entre recortes



Travo guerras
quebro em mil pedaços
a ansiedade dos anos
que passou guardada

Os cacos colho
em dias alternados
represando entre a saliva
alguns que não consigo
ainda, cuspir

Há um silêncio escuro
de alma partida
engrenagem e espera
em mosaica batalha

Unindo fotografias
músicas e assombros
crio formas
para sobreviver
a esse caos de amabilidades







Adriane Lima





Arte by Farnçois Fressiner
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