quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Do verbo vir




É imperativo que venhas
que rasgue o verbo
copule palavras
e morra comigo
em um único grito

É imperativo que venhas
ser verbo infinito
ser morto
ser vivo
um mundo maior
entre nós

E imperativo que venhas
percorrer rimas
fertilizar versos
escoar restos
dentro de mim

É imperativo que venhas
fazer amor com a poesia
lambuzar-me de sons
fazer minha alma gerar

palavras
palavras
palavras

e nós dois a sós
num ritmo
de entrelinhas...

 
 
 
 
 
Adriane Lima

Conto :"Estranho Abraço "

 
 
 
“Há em tudo que fazemos uma razão singular: É que não é o que queremos.
Faz-se porque nós vivemos, e viver é não pensar. 
Se alguém pensasse na vida, morria de pensamento.
Por isso a vida vivida é essa coisa esquecida 
Entre um momento e um momento.
Mas nada importa que o seja 
Ou que até deixe de o ser.
Mal é que a moral nos reja.
Bom é que ninguém nos veja;
Entre isso fica viver."
 
Fernando Pessoa


Aquela noite fria,escura como seus pensamentos,doiam seus ossos de tal forma que ela achou melhor sair e andar pelas ruas da cidade.
Pegou seu carro,e um vento batia tão forte que fazia ele parecer um brinquedo posto em suas mãos.
Andou por várias ruas,estavam todas quase vazias,alguns bares barulhentos,carros entre os sinais.
Após ouvir algumas músicas dentro do carro,sua solidão aumentou,se viu só,sem rumo,sem ter onde ir, podia até ligar para algumas amigas e chama-las para conversar,mas não era isso que gostaria , não naquela noite.
Apesar de estar acompanhada de sua solidão e lágrimas pensou em seu choro,respeitou sua fraqueza,respirou fundo e parou na frente de um bar,que estava lotado.  
Retocou a maquiagem,ajeitou os cabelos desarrumados pelo vento e adentrou ao local.
Lá haviam muitas pessoas sorridentes,falantes,música ao longe e ela resolveu sentar-se ao balcão,assim como fazem os solitários que gostam de observar.
O  ruído rítmico tornara-se constante,havia um espelho em sua frente,onde ela começou a observar os olhares de alguns homens ali sentados,de costas a ela,foi onde vestiu-se de uma sensação de que mesmo nos dias atuais, uma mulher sair sozinha, sentar-se e pedir uma bebida parecia um gesto vulgar,aqueles olhos de reprovação aumentaram ainda mais sua forma de repensar a vida.
O quanto sempre gostou de sair,de fazer suas vontades,sem se preocupar com esse tipo de olhar desavisado, revestido de preconceito e machismo que ela tanto combatia.
Entre um gole e outro sentia-se mais confortada, menos só e essa sensação em seu peito veio chegando de mansinho onde pensou ter sido bom sair de casa assim "sem lenço e sem documento, parando em um bar.
Mesmo estando só, ela estava com sua liberdade, poderia essa idéia não preencher sua dor mas, já era um grande alívio,sentir certa glória em ser livre para decidir onde e com quem se unir.
E justamente nesse momento senta-se ao seu lado um homem,ele sorri,faz uma referência as frutas vermelhas de seu drink e pede um igual para ele.
Gesto fatal para se iniciar uma aproximação, mas justo aquela noite ela queria ficar só, não queria ouvir nem o som da própria voz a não ser para pedir outra e mais outra bebida ao garçon.
Mas, ele insistente puxou assunto,tinha olhos brilhantes de alegria mas,com um toque de mistério no ar e ela se contagiou com isso e rendeu-se e então,começaram a conversar.
Sentiu que ele tinha um certo ar de ingenuidade e sarcasmo o que a estimulava a seguir em frente na conversa, e entre viagens pela Europa,aulas de Boxing e Yoga foram risadas, troca de olhares, de elogios e de surpresas que uma noite fria pôde proporcionar a ambos.
Ele também saíra de casa querendo silenciar, pensar na vida e no cansaço de seus últimos dias.
Contou que teve que voltar apressado de uma viagem a Inglaterra pois sua mãe havia tido um AVC e como ele era filho único ,teve que abandonar seus planos de estudar uns tempos por lá.
Havia uma paz em seus gestos e também uma angústia dentro de suas frases voltadas entre decepção e coragem.
Ele estava há duas semanas juntamente com uma enfermeira cuidando da mãe,revelando assim seu cansaço físico além do emocional.
E ao ouvir todo aquele relato, ela se esqueceu de sua dor, tudo parecia tão menos, diante de uma dor física e emocional  de um filho, que teve que largar sonhos para trás e mesmo assim estar ali inteiro.
E várias vezes ela teve que segurar as lágrimas, sim uma mulher sensível sabe ouvir e sentir a dor do outro, mesmo sendo ele um desconhecido.
 E centenas de pensamentos,esperanças,medos,vazios,tomavam conta dela enquanto trocavam olhares,e o mais estranho é que eram olhares  individualizados pela vida  mas, com interesses em comum, entre a dor e escolhas...
A hora já passava macia, o tempo já não era vazio de significados a procura de ocupar sua solidão.
Pensou em uma frase que chegou a estufar-lhe o peito em um suspiro:"A coisa mais linda que existe nos homens é dedicar-se às outras pessoas".
Pensou ingênuamente nas palavras do "Pequeno Príncipe ,que lêra em sua juventude: O essencial é invisível aos olhos" e concordou que assim como os olhares daqueles homens que a olhavam sozinha ela também havia interpretado mal aquele estranho, achando que ele sentaria ali ao seu lado com uma conotação sexual, sem jamais imaginar que assim como ela,o que ele buscava era alguém para trocar umas frases, uns momentos leves, um desabafar.
Mostrar o cansaço da vida, as fragilidades escondidas, o lado humano que cada um nem suspeita existir em alguém que sorri na mesa de um bar.
Lá fora o vento não dava tréguas, a lua perdêra seu apogeu e era como se nada disso tivesse mais importância, ela levantou-se pediu um abraço e assim ficaram minutos infinitos.
Sentiu um torpor em sua pele, um calor humano lhe atravessar.
Agradeceu aquele estranho por aquela noite tão encantada, por aquela madrugada, por aquele despertar.
Era disso que ela mais precisava ...um abraço.
Mesmo de um estranho e ambos descobriram que como estranhos, puderam naquela noite se salvar.


Adriane Lima
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