sábado, 31 de dezembro de 2016

Amor havia



Esqueci meu beijo
em sua boca
sensação louca
essa de você
vir morar dentro de mim
















Adriane Lima



















Arte by David de las Heras

Os velhos olhos do mundo



Todos os dias são meus
neles eu bebo a vida
embriago-me de um calendário só meu
onde crio sonhos, possibilidades,
crenças e tudo aquilo que me
foi ensinado a chamar de fé
Desejei que o amor
preenchesse meus melhores
espaços e me esvaziei
Respirei fundo
ao sentir meu coração ossificado
Inimaginável forma estática
para algo que me foi concebido selvagem
Todos os meus excessos, risos largos
palavras melodiosas, foram se apagando
Minha alma inquieta se acomodou
Olhava tudo ao redor e me agarrava a efemeridade,
suspirava aliviada ao pensar:- vai passar
Foi então que me lembrei da velha frase :“ quem teve a ideia 

de cortar o tempo e dar-lhe datas, calendários 
e assim forças para recomeçar”...
Não foi por resignação que aceitava e sorria
Foi sim, por acreditar que, como o tempo, eu também mudava
E todas as gaiolas de minha existência
eram habitadas por pássaros livres
que sempre retornavam felizes
por detrás das paisagens do mundo


Adriane Lima






Arte by Catrin Welz Stein

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Caminho das azuláceas



Você abandonou palavras
aboliu metáforas
ressurgiu de catarses
em silenciosas dores

pulsões arranhavam céus
de meu imaginário
havia coragem em viver
deslocamentos

sair do senso comum
dos homens sem asas
criar imagens amorosas
do lugar onde revisitei

quando cheguei
reconheci em tuas mãos
enternecidas
a palavra: fica







Adriane Lima




Arte by Patricia Arni

Margens de mim



Hoje lembrei de minhas
últimas palavras
dedicadas a você
manchadas pelas lágrimas
do silêncio de meu ser

Elas atravessaram teu olhar
reflexo de barco à deriva
ali fiquei a perguntar:

onde deixei de ser teu cais







Adriane Lima













Arte by Oksana Zhelisco

Não adianta dizer que não vê



Eu não sei
que língua falo
portanto peço: deixe-me respirar
o hálito do infinito e em minha boca
ter o gosto de estrelas

Elas são a verdadeira voz
da contradição
emanam luz
mesmo em outra dimensão

Não sei que língua falo
pois já falei: dessa água não beberei
e bebi
Aqui não volto mais
e voltei
Dessa porta não mais adentro
e adentrei

Não sei compreender o inexpressivo
o véu medieval, o escotoma
de meu ser carnal

Eu não sei que língua falo
de tantas que já provei
em ouvidos moucos
aprisionados em devaneios

Há um sol em minhas entranhas
um desvelo, um grito,
um chão de passos perdidos

É essa sua voz que ouço
dentro de uma paz intangível








Adriane Lima














Arte by Paul Lovering

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Depois daquela viagem



Você precisa
conhecer minha dor
ela mora no lado esquerdo da alma 

que anda vazia

Agora estou aqui para mostrar
com calma, que você teve tempo
para reconhecê-la
e afeiçoar-se a ela
como se fosse sua

Mas você recusou
lidar com o perigo
que é tocar o abismo
esse espaço em queda livre
no fundo de uma mulher

Lá me agarrei a uma estrela
colhi a rosa impossível
apaguei letras do pensamento

Vivi a dimensão e as angústias
do dia a dia, em uma caverna fria
que se tornou meu coração










Adriane Lima










Arte by Pedro Tapa

Flores desconexas



Aos poucos
fui reconhecendo a flor que
te emprestou o cheiro

penso em fechar os olhos
e te tocar por inteiro
das pontas dos dedos aos teus pelos

para depois escrever
um poema de amor
simples e verdadeiro

e não entender
que é amor
toda essa paisagem




Adriane Lima





Arte by Aaron Jasisnki

Dor emoldurada



Sal das palavras
onde tudo acaba
meu corpo não é
mais meu corpo

Doem meus ossos
ao apoiarem-se ao chão

Tudo transborda
ao respirar fundo
obscuro muro é o desejo

Frágil mudez que
aprendi a decifrar
olhos de oceanos que
consegui atravessar

Transformo minha fala
em suspiros
tenho farpas por entre poros

Vesti couraças ao perder carícias
meu corpo tem memória amorosa







Adriane Lima





Arte by Nadila Cherkasova

sábado, 17 de setembro de 2016

Horas de uma vida


Me pergunto porque guardei
aquele velho vídeo cassete 
com seus filmes antigos
aquela imensa Tv de tubo 
que já não funcionava mais
aquele cobertor de minha avó, tão encardido
aquela vitrola que não tem agulha 
e meus discos preferidos
aquele velho balde cheio de rolhas 
dos vinhos bebidos
aquela blusa com seu perfume já esquecido
aquela estante cheia de livros infantis
aquele quadro que fazia parte da mobília
aquela velha mesa de família dos almoços 
cheios de risos
aquela flor de plástico coberta 
com a poeira do tempo
aquele bicho de pelúcia já costurado
aquela armação de óculos enferrujada
aquela jaqueta de couro embolorada
aquele jogo de cristal, mais frágil que minhas lembranças
Aquela vontade de acreditar que sempre guardarei a minha, a sua e as nossas esperanças
Tudo tão nostálgico e cheio de uma vida inteira
Um passado que está vivo em mim, mesmo que eu não queira.
São tempos líquidos, me dirão, onde não se retém nada, nem amor, nem solidão, nem pistas do que fomos.
Tudo escorre, tudo morre nos rostos dos retratos.
Nada é exato.
Nas areias de minha casa residem histórias, cacos tão meus, tão vãos.
Quem construiu aquela teia que não estava ali ontem, nem anteontem que no presente acabei de desconstruir.
Tudo sucumbe a sua forma e vira apenas:
memória.







Adriane Lima






Arte by Olga Noes


Olhos de arder


Hoje está tudo 
tão pontual
ou será o silêncio
que me faz companhia
e me deixa perceber
as minúcias do dia

O apito do trem
alavancando as horas
no grito
as badaladas do sino
mostrando que é dia
de missa

O ocaso se mostra 
tão lindo
trazendo cores que nem
sei descrever os nomes

A música que fez "replay"
pelo menos três vezes
pela preguiça de meu levantar

Os pássaros que lá fora
se aquietam nos ninhos
e meu cão que espera 
para ser recolhido

Hoje tudo está tão pontual
e nada mais solitário
que minha própria sombra



Adriane Lima





Arte by Cynthia Lund Torroli


Redenção dos dias


Cai a tarde
cai o silêncio, a máscara
a casca, a pétala, a flor

Cai a tarde
cai o sol, a lágrima
a folha, a pele, o tempo

Cai tudo que é belo
é essa angústia
do meu verso 






Adriane Lima






Arte by Olga Noes

O moço dos sonhos


Quando em noites solitárias
eu te procuro
e me vens tão pronto
a se doar

Trazes contigo a música 
de minha infância, o cheiro
do fogão de minha avó

É tanta ternura que encontro
em tuas mãos e olhos 
que me desvendam sem medo
tanta meninice nos risos

Pausados entre lembranças
retomando o bem que havia em mim
e que já andava tão esquecido

Você tem sido a alegria tardia
os brinquedos reminiscentes
os jogos de peças perdidas
que estavam empoeirados 
em minha memória

Tem sido os dias de acolhimento
onde vejo em mim
a maturidade acrescida de Deus
argumentando minha história





Adriane Lima






Arte by Omar Obisnki

Pássaro de meu silêncio


E na madrugada
do nada, me visita um poema
um silêncio que grita
onde nada é nada
e a palavra é tudo

Na madrugada
do nada, me visita um amigo
uma voz que me chama
onde tudo é tudo
e a palavra é nada

Só eu, ele e a madrugada
sabemos conversar






Adriane Lima




Arte by Fithi Abraham


A flor do jazz-me


A ela não servia ser a Dama das Camélias
moça flor, resplandecendo sua essência
entre tantas explosões pelo caminho
não foi como Rosa de Hiroshima
nascida de extrema delicadeza

Retirava de si mesma

todo aroma de pétalas
que atirava pelos sete ventos

Um ar de concha, de mar, de sangrar

tão ávido esforço de renascer 
a cada golpe, em mínimos intervalos

Não viu estrelas, não viu bordados

pisava a relva orvalhada dos sonhos
por puro encantamento
aos gestos ensaiados entre seus dias

Apenas ela, tão só, sempre a espera

de chão e casa, de cama e jardim
em cada canto um silêncio
quebrado por um romper de passarinhos

Tempo sem fim, pesado entre o 

presente e o passado 
em dias de voos e menos pausas



Adriane Lima





Arte by Luiz Miguel Rodriguez 



Nuvens do tempo


Minha loucura
tão diferente da tua
andam de mãos dadas
junto ao caos dos dias
buscam equilibrar-se
dentro dos sentimentos
viventes em cada um

Mesmo que minhas lágrimas

formem o rio de tua ilha
nunca estaremos presos
entre silêncios inconfessáveis
pórticos vazios, paisagens

Nossas loucuras são sedes infinitas

de portas abertas, para o pulsar da vida
o que nos arde, lateja
e nossos olhos chamam de paz





Adriane Lima






Arte by Aaron Jasinski



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Palavra pétala


Escrevo no vazio
um amontoado de palavras
repletas de formas
que penso criar

Atravessa-me a essência
o dia estagnado
amparado por flores
que o inverno derrubou

Sob a luz da lua
verto sépalas, colho pétalas
fecho os olhos
em minha alegria teimosa
por acreditar

A curva de meu verso
se insinua, modela
silêncio em paz
e alma nua

Pesa-me o breve
onde a vida pulsa






Adriane Lima




Arte by Agita Keiri



Alma límpida


Vieste ávido de mim
eu ave serenada
em meu ninho
mostrei-te fragilidades
dentro de um peito passarinho







Adriane Lima



Arte by Erick Madgan

Arredores

Com o passar dos dias
tudo foi substituído
dentro dessa casa
não há você comigo

Lá fora as plantas são outras
que plantei sujando as mãos
as cores da varanda mudei
para um tom mais alegre

Na sala há mais espaço
tenho adorado dançar
Rodopio as mesmas canções
que com você gostava de escutar

A casa é a mesma e 
as músicas também
meu olhar dentro do tempo
mudará o que convém

Ah, não tomo mais chá
antes de me deitar
meus recursos íntimos
se intensificaram
depois de entender a solidão




Adriane Lima




Arte by Dominik Jasinck



Camuflagens



Sou livre como as folhas
que são jogadas
pelo vento
que surge do nada
Livre como o peixe
que não entende
profundidades
e segue as correntezas

Livre como o pássaro
em sua imensidão de asas
movimentando-as
sem os riscos do chão

Livre quando sei
que estou errada
e me sinto plena de tudo

Felicidade também
pode ser maquiada










Adriane Lima







Arte by Stacia Burrington

Absoluta vaziez


Desejei ver o mundo girar
nas asas de uma " Silvery Blue"
rodei, rodei, parei! Círculos e circos
me conformei com os limites
do corte, aceitei a cicatriz

Patas de rinoceronte
era o seu acalanto
Cego, surdo e mudo
era o meu coração

Dentro de um ronronar se agitava
querendo o peito de um cão
Sob fractais paralelos
a grama crescia em vão

O limbo indesejado
marcava o tempo de escuridão
Meu instinto corria e se atirava
em meio a folhas outonais

Entre orquídeas translúcidas
pulava o gato, sob luzes
que desejava agarrar

Não me socorra, não coloque
seus dentes em minha pele
estou leve
Só quero continuar sedada
apreciando minha lobotomia











Adriane Lima





Arte by Iris Scoth

Despertar do sonho


As flores de meu jardim
amanheceram enfeitadas
com o que chamo de 
Esperanças

Minhas mãos precipitadas
arrancaram todas

A vida hoje 
é o vaso do improviso
onde tudo se perde




Adriane Lima




Arte by Naddia Cherkasova 

O ato de saber florir


Não afie sua navalha
não empunhe sua espada
cortes, córtex

é tão simples
tudo tão fácil
centro e coração

pele e verdes mares
olhos e incompreensão

não mergulho 
no que desconheço




Adriane Lima






Arte by Glenn Arthur 

Visão refratária


Meus olhos tomados de urgências
buscam direções 
embaçados pelas distâncias
não discernem nada
além de aluviões

Minha lucidez tem andado
no escuro
rasgo o espaço das palavras
que pertencem a outros sentidos




Adriane Lima





Arte by Pippa Young 

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Ode à distância


Ontem caiu uma chuva fina
acalentou meu jardim
perfumou o ar
uma folha seca caiu sobre meu cabelo
respirei fundo o ventar

Hoje caiu uma bomba na Síria
desabou em algum jardim?
em cima de casas, em cima de mim
uma lágrima caiu de meus olhos
a Terra é um lugar solitário

Não ouvi o murmurar daquela criança
e senti seu sofrer à léguas daqui

O amor desconhece fronteiras
aqui o vento machuca menos
as folhas são leves, as folhas são luvas

Em meus olhos de horizontes 
arranquei margaridas
bem me quer, mal me quer

A cor da arma em voo
deveria ser de uma paz infinita
me seguro no mundo onde piso
sinto sua dor e vazio

Posso plantas silêncios 
em meu solo útero poema
é o que posso fazer por nossa dor
aspergindo pétalas desconhecidas




Adriane Lima



Arte by Zhang Dali





quarta-feira, 17 de agosto de 2016

De tudo que transcende o tempo


A vida é a asa do sonho
faz paragens entre palavras
e perde o relógio interno

Não há nada menos poético
do que os verbos que criamos
arriscando céus desconhecidos

Quais são as cores dos sonhos?
 a esperança nos engana
bem sei...

As palavras flutuam 
feito beija-flor
correm de um lado a outro
buscando o que se perdeu

A rima quebra os ossos
da impermanência intocável
diante do voo dos versos
que cala o desejo de gritos








Adriane Lima








Arte by Rita Neves




Os fantasmas que me amam


Eu nunca me matei
mas todo dia me mutilo
sangro entre asas e dentes
deito em gérberas e mirtilos

Finjo que estou morta

inerte em pleno abismo
retalho a carne que é fraca
corto as flores na faca

Eu sei o que sinto
meu mundo em pedaços
enfeitado por flores de
estilhaços do que minto

Todo dia insisto
flor de carne
em terra bruta
conjuga solidão comigo




Adriane Lima










Arte by Amy Judd






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