Entre as serpentes e o nada

 

 

 

 

Lave meus olhos

antes de partir

não atravesse a porta

não vislumbre janelas

não corra o mundo

 

lave meus olhos

vestidos de naufrágios

compostos por marujos

envolto a tempestades

 

lave meus olhos

e seque toda visão

de amor

pássaro e mãos

 

lave meus olhos

que o abandono

é uma palavra única

sem dó e árida

 

lave meus olhos

dos sonhos inventados

das vontades fatigadas

ladainhas e cansaços

 

lave meus olhos

que todo resto

de meu corpo

já está deserto 

e meu oásis tem alma 

diante a todos os desejos 

mundanos e frios

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Adriane Lima

 

 

 

 

Arte by  Brita Seifert

 

Matéria e rascunho

 

 

 

Sempre houve

uma felicidade frágil

e silenciosa

interdita entre versos

e contextualizações

 

e a vida promoveu a pausa

e a vida passou rápida demais

para as palavras soltas

os sentidos , os desejos

os pronomes, as releituras

 

o que ficarão são os versos

uma lembrança de Drummond

um livro de Neruda

uma solidão de Barthes

um assombro de Nietzsche

 

o que ficarão serão 

todos os rocks de nossa geração

as canções já tatuadas do Chico

as que nunca ouviremos juntos

mas, que nos transportariam

com aquela frase:

 

- hum, se ele (a) estivesse aqui ...

 

entre o desejo encantado

de desejar o encantamento

entre o tempo encarnado

de escorrer pelo tempo

 

ternuras que sempre teremos

vontade de guardar uma a uma

por que flutuamos por elas

e hoje mergulhamos nelas

 

tocante é o limite permissivo

de não saber-se verso,inverso, avesso

tocante é deixar tocar-se

pelo poema, poeta e poesia

 

e nos preenchermos em asas até então ocultas

como cada estrela que ainda não nomeamos

e sempre estarão lá 

 

 

 

 

Adriane Lima 

 

 

 

 

 

 

Arte by  Drew Darcy

Descontruções

 

 

Eu te avisei ontem

que a madeira range

que o gesso estala

que a pia vaza

 

eu te avisei ontem

que o silêncio fala

que a coragem foge

que a chaga é antiga

 

eu te avisei ontem

que a raiva luta

que o amor adoeceu

que só a flor resiste

 

e que toda forma de espera

se perdeu na própria vida 

 

 

 

 

 

 

 

Adriane Lima

 

 

 

Arte by  Zenep Akgun