Pior é aquela dor de quando acordo
e me olho no espelho
e percebo que sou ainda
o velho disco riscado
o muro chapiscado
que ninguém consegue encostar
a rua sem ipês amarelos
a praça sem bancos e pássaros
a borboleta de asa quebrada
que já não consegue voar
a bola já furada sem um pé para brincar
o brinquedo jogado ao chão
o rádio sem pilha e botão
a oração já esquecida
o beco sem saída que ninguém deseja entrar
o poema que não consegui declamar
a ação sem atitude
o gado procurando açude
a sede em frente ao mar
mas, quem sou eu para me metamorfosear
desejo passando fome
solidão que me consome
como ser outro ao despertar
urgências vou vestindo
e me despindo do que não dá para esperar
Adriane Lima
Arte by Douglas Hoffmann
Ao jorrar o sangue
vindo de reentrâncias
compondo na dor e na alegria
esconderijos são abertos
à sorte de um mundo sozinho
seguimos:
relendo a sintaxe da vida
na fala entrecortada
na acidez interior
cuspindo a própria sede
de promessas alinhavadas
- tênue estrada
feita de um deserto interno
sem oásis de ternuras
caminhantes em próprias pernas
sonhos, ilusões e bravuras
amores já condenados
caminham no próprio espinho
âmago em desalinho
novo cordão ofertado
sonhos então consagrados
reviram a vida do avesso
fragmentos reversos
também alimentam a alma
Adriane Lima
Arte by Giuseppe Ferrando
O corpo por perto
sente-se inativo
o que lhe resta ?
passional só a mente
displicentes comandos
involuntários sentires
nos atos se escondem
trêmulas lembranças
a ideia que perdeu
o acento, mas sente
ao centro um coração
que pulsa contido
vomitando incertezas
vozes impensadas
fosse esqueleto
seria fóssil...
o que não é fácil
ser paradoxo
da tristeza cativa
Adriane Lima